Cidades que Cuidam: A Primeira Infância no Centro do Planejamento Urbano

Como integrar o olhar da infância nas políticas urbanas pode transformar comunidades em espaços mais seguros, inclusivos e humanos para todos

O desenvolvimento integral de uma criança depende diretamente das experiências vividas nos primeiros anos de vida. Esse período, considerado crucial pela ciência do desenvolvimento humano, é o alicerce para uma vida adulta mais saudável. Segundo o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), é nos primeiros mil dias que o cérebro humano passa por transformações intensas, moldado por estímulos, interações e pelo ambiente que cerca a criança. Ignorar esse potencial transformador no desenho das políticas públicas e das cidades significa comprometer o futuro coletivo de uma sociedade inteira.

Não se trata apenas de oferecer serviços básicos, pois investir na primeira infância é uma escolha estratégica de impacto duradouro que promove equidade, reduz desigualdades sociais e gera benefícios intergeracionais. As crianças pequenas dependem dos adultos e do ambiente ao seu redor para se desenvolverem. Por isso, pensar em cidades que acolham e estimulem a infância é essencial para garantir direitos e criar comunidades mais coesas e seguras. Essa abordagem não pode estar restrita ao universo da educação ou da saúde, precisa ser articulada em políticas urbanas, estratégias de mobilidade, planejamento territorial e iniciativas culturais.

Em todo o mundo, cresce o número de cidades que incorporam a lógica do cuidado e da escuta das crianças em seus processos decisórios. Um exemplo inspirador é a iniciativa internacional Urban95, da Fundação Bernard van Leer, que convida gestores públicos a planejarem espaços urbanos a partir da perspectiva de uma criança de três anos, com altura média de 95 centímetros. A proposta parece simples, mas carrega um profundo reposicionamento do olhar urbano. Quando a cidade é pensada para os mais vulneráveis, ela se torna mais segura, acessível e funcional para todos.

Diversas experiências já demonstraram que ambientes planejados com atenção à infância transformam não apenas a vida das crianças, mas também reconfiguram dinâmicas sociais inteiras. Quando se criam rotas seguras para deslocamentos, espaços de leitura públicos, jardins sensoriais, áreas verdes e brinquedos naturais, os benefícios vão além do aspecto lúdico. Tais ações fortalecem vínculos familiares, promovem o bem-estar emocional, incentivam a autonomia e o convívio social. Ao mesmo tempo, reforçam uma relação mais respeitosa com o meio ambiente, desde os primeiros anos de vida.

Outro aspecto relevante é o acolhimento às famílias e cuidadores. A valorização desses atores, especialmente mães em situação de vulnerabilidade, impacta diretamente na qualidade das interações estabelecidas com as crianças. Iniciativas que promovem escuta ativa, apoio emocional e espaços adequados para o cuidado cotidiano criam uma rede de proteção e pertencimento. O cuidado, nesse sentido, não é apenas uma prática privada, mas uma construção coletiva e política.

O território, em sua diversidade, também precisa ser respeitado. A infância vivida no centro de uma grande metrópole não é a mesma daquela vivida na periferia ou em regiões rurais. Ouvir as comunidades, compreender suas rotinas e reconhecer suas potências é um passo fundamental para implementar políticas públicas mais eficazes. A cidade deve ser percebida como um ecossistema vivo, capaz de ensinar, acolher e proteger.

Diante desse cenário, o planejamento urbano assume um papel pedagógico. O espaço educa tanto quanto a escola. O chão da praça, a sombra das árvores, a fonte de água, os caminhos entre a casa e a creche, tudo comunica valores e formas de estar no mundo. Por isso, o desenho da cidade não pode ser neutro ou pensado apenas a partir da lógica do adulto. Ele precisa dialogar com a infância, com seus tempos, seus corpos e suas necessidades específicas.

Portanto, integrar a infância ao centro das estratégias de desenvolvimento social e sustentável é reconhecer que o futuro não é algo abstrato e distante. O futuro está sendo moldado agora, nas experiências cotidianas de milhões de crianças que habitam os lares, calçadas e vielas das cidades. Cuidar dessas crianças é cuidar de um projeto coletivo de sociedade. Um projeto que só se realiza plenamente quando políticas públicas, ciência, arte, cultura e afeto caminham juntos.

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Por Camila Lopes

gerente de projetos na ARIES – Agência Recife para Inovação e Estratégia, atua no desenvolvimento e coordenação de iniciativas voltadas à inovação e fortalecimento das políticas públicas, com forte atuação em planejamento estratégico, lidera projetos que conectam governo, sociedade civil e setor privado

Artigo de opinião

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