O Desafio dos Adultos Superdotados no Mercado de Trabalho Brasileiro

Como a falta de reconhecimento e apoio compromete o potencial e a saúde mental de pessoas com altas habilidades

Por trás da mente rápida e das ideias que fervem como panela de pressão, existe um vácuo. Um silêncio incômodo, pesado, que ninguém escuta, mas que grita todos os dias dentro de adultos com altas habilidades, ou superdotação não diagnosticados.

Apesar de associados à inteligência acima da média, pesquisa de estudante de Psicologia do Centro Universitário de Brasília (CEUB) revela experiências de solidão, pressão interna, frustrações no ambiente profissional e impactos profundos na saúde mental destes adultos.

A autora do estudo, Júlia Munhoz de Freitas, conhece essa realidade. Ao receber o diagnóstico de superdotação, já na vida adulta, ela percebeu que quase tudo que se fala sobre o tema é voltado para crianças prodígio, mas o que acontece quando essas crianças crescem? “Muita gente acha que superdotado é alguém que vai ter tudo mais fácil. Mas a verdade é que muitos deles adoecem por dentro”, revela.

Após investigação aprofundada e análise dos impactos psicossociais em adultos com altas habilidades (superdotados), o estudo indica que o diagnóstico formal, embora traga um componente de autoconhecimento importante por oferecer recursos, possibilidades de intervenção e acompanhamentos mais precisos, também pode provocar sentimentos de ambivalência. Muitos relataram confusão ou questionamentos do tipo “será que é isso mesmo?”, especialmente em contextos que não valorizam esse perfil.

Enquanto alguns entrevistados descobriram a condição na infância, mas só entenderam seu significado mais tarde, outros chegaram ao diagnóstico depois de anos tentando se encaixar em padrões que não faziam sentido.

A trajetória profissional dos participantes da pesquisa revela um cenário de alto esforço e comprometimento, muitas vezes acompanhados por esgotamento físico e emocional. O estudo trouxe relatos de pessoas que acumulavam responsabilidades e alcançavam resultados expressivos. “Mesmo diante de conquistas acadêmicas e profissionais, a sensação de desconexão com o ambiente foi constante nas entrevistas”, ressalta a autora.

Porém, em vez de estabilidade, a vida desses profissionais é marcada por mudanças frequentes de emprego. A rotatividade, nesses casos, é motivada por ambientes de trabalho que não oferecem desafios ou espaço para inovação. “Sem condições adequadas, mesmo profissionais altamente capacitados e engajados acabam buscando alternativas que ofereçam mais realização”, aponta Munhoz.

No plano emocional, a pesquisa aponta experiências intensas de ansiedade, autocrítica, sentimento de inadequação e sobrecarga. Os adultos superdotados descreveram uma espécie de desconforto contínuo, como se precisassem conter aspectos fundamentais de sua personalidade para se adaptarem ao que o meio espera. Segundo a estudante do CEUB, a vergonha de revelar o diagnóstico, o medo de parecer arrogante e a necessidade de esconder suas habilidades para evitar julgamentos foram temas recorrentes nos relatos.

Para Júlia Munhoz, a superdotação esteve associada, desde cedo, à percepção de diferença. Assim como ela, expressões como “me sentia estranho desde pequeno” ou “sempre me disseram que eu era exagerado” revelam a dor de quem passou grande parte da vida tentando entender por que não se encaixava. “A sensação de estar mentalmente acelerado em um ambiente que funciona em ritmo mais lento também surgiu em diversas entrevistas, provocando cansaço, isolamento e, em alguns casos, sintomas depressivos”, considera.

Carlos Manoel Rodrigues, professor de Psicologia do CEUB e orientador da pesquisa, explica que esses perfis costumam reunir características como sensibilidade emocional elevada, senso ético acentuado e forte necessidade de coerência e estímulo intelectual. “São pessoas que, em ambientes engessados, podem transformar essas potências em peso, especialmente quando não encontram acolhimento ou escuta qualificada. Isso pode gerar sofrimento significativo”.

O mercado de trabalho brasileiro ainda tende a valorizar padrões homogêneos de produtividade, o que torna o ambiente hostil para pessoas com altas habilidades. A autora do estudo destaca a necessidade de repensar esses espaços com maior abertura à diversidade de pensamento, estímulo à criatividade e valorização de trajetórias não convencionais. “Superdotação não é dom mágico nem maldição. É uma forma de existir. Uma diferença que, quando reconhecida e bem integrada, pode se transformar em potência”, afirma Júlia Munhoz.

Como a maioria das políticas públicas e práticas educacionais da superdotação são concentradas na infância e no ensino básico, isso invisibiliza as necessidades de adolescentes e adultos. A estudante do CEUB defende que o cuidado com esse público considere todas as fases da vida. Isso inclui iniciativas no campo clínico, educacional e organizacional, com formação de lideranças preparadas, políticas institucionais mais inclusivas e estratégias de apoio à saúde mental.

A pesquisa conclui que pessoas com altas habilidades podem construir trajetórias ricas quando recebem suporte, são acompanhadas e inseridas em ambientes que reconhecem e acolhem suas especificidades. Por outro lado, em contextos que não oferecem suporte, esses indivíduos podem enfrentar sofrimento intenso, exclusão e invisibilidade. “O objetivo do estudo é ajudar a criar pontes para que essas trajetórias sejam mais positivas, saudáveis e integradas à sociedade”, arremata.

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Por Júlia Munhoz de Freitas

Estudante de Psicologia do Centro Universitário de Brasília (CEUB)

Artigo de opinião

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