A infância sob a pressão da produtividade: um alerta necessário
Como a adultização precoce e a cultura da performance ameaçam o desenvolvimento emocional das crianças
Mini pastores, mini CEOs, mini influenciadores, mini especialistas. Cada vez mais crianças e adolescentes são apresentados ao mundo como “grandes promessas”, dotadas de discursos maduros, rotinas rigorosas e obrigações que exigem alto desempenho. Mas o que está por trás desse fenômeno que, à primeira vista, pode parecer apenas admiração pelo potencial infantojuvenil?
Vivemos um momento em que a infância está sendo moldada por uma lógica adulta de performance e produtividade — e isso pode ter consequências profundas na formação emocional dos jovens.
É claro que devemos incentivar talentos, criatividade e responsabilidade. Mas quando a criança passa a ser enxergada como um pequeno adulto que precisa render, produzir ou inspirar constantemente, isso pode gerar uma pressão interna silenciosa. Muitas vezes, elas não têm maturidade para lidar com os elogios, nem com as cobranças que vêm depois deles.
É comum ver nas redes crianças com discursos motivacionais, opiniões políticas, doutrinação religiosa precoce ou metas de produtividade que não condizem com sua faixa etária. O discurso “empoderado” ou “militante”, por vezes, é decorado e apresentado sem o devido processo de construção crítica.
Há um encantamento social por crianças que “sabem demais” ou “falam como adultos”. Mas precisamos refletir: de onde vêm essas falas? Qual o impacto de carregar, desde tão cedo, o peso de influenciar ou representar ideias que talvez ainda nem tenham sido plenamente compreendidas?
O mesmo vale para a inserção em ambientes religiosos com discursos pesados sobre culpa, inferno, pecado ou castigos — quando a linguagem não é adaptada ao desenvolvimento psíquico da criança.
O excesso de responsabilidade precoce pode gerar quadros de ansiedade, fobia social, crises de autoestima e confusão identitária na adolescência.
A infância é um período de descoberta, erro, construção. Quando não há espaço para a espontaneidade, para a dúvida e até para o silêncio, a criança internaliza uma lógica de exigência contínua que pode travar o desenvolvimento emocional saudável.
Além disso, muitas dessas crianças acabam se sentindo “presas” a um personagem público que foi criado para elas — e não por elas. Em alguns casos, há arrependimentos tardios, rompimentos familiares e crises existenciais precoces.
Não se trata de fazer uma crítica generalizada à exposição ou ao incentivo, mas de reconhecer que a atuação de crianças em ambientes de visibilidade exige mediação cuidadosa de adultos preparados — emocionalmente e psicologicamente.
As famílias precisam se perguntar: estou deixando meu filho ser criança? Ele sabe que tem o direito de não querer mais? Estamos respeitando os limites emocionais ou projetando algo sobre ele?
É preciso lembrar que não existe sucesso saudável sem estrutura emocional sólida. A infância não deve ser uma fase apressada para “chegar logo a algum lugar”, mas um tempo essencial de formação subjetiva, onde brincar, errar, mudar de ideia e não saber ainda são partes legítimas do processo.
Mais do que crianças extraordinárias, precisamos de crianças seguras, espontâneas e respeitadas em seu tempo de crescer.
Por Roberta Passos
Psicóloga Clínica, Psicopedagoga, especialista em Neuropsicologia pelo IPQ-FMUSP, atua há mais de 14 anos com desenvolvimento infantil, atendendo crianças, adolescentes e adultos
Artigo de opinião