Proteção e Educação na Era Digital: Desafios para Pais e Adolescentes nas Férias
Como a presença afetiva e a educação sexual são essenciais para garantir a segurança e o desenvolvimento saudável dos jovens conectados
Durante o período de férias escolares, crianças e adolescentes ganham mais tempo livre, e, com isso, passam mais tempo conectados, muitas vezes sem a supervisão adequada. Em meio às brincadeiras digitais, festas do pijama e viagens com amigos ou parentes, aumentam os riscos relacionados à exposição precoce a conteúdos inadequados, agressões, abusos e hiperconectividade.
Casos recentes, como o do menino que matou os pais e o irmão, de uma menina de 12 anos que desapareceu durante 5 dias e estava na casa de um homem de 18 anos, mas alegou não ter sofrido nenhuma violência, e uma quadrilha que foi desmontada pela Polícia Federal, que incentivava meninas à mutilação, entre outros crimes, vêm chamando a atenção para o assunto.
Para lidar com esse cenário, pais e responsáveis precisam reforçar a presença ativa e o cuidado afetivo.
Supervisão afetiva: mais presença, menos punição
A proposta legislativa em discussão no Senado (PL 2251/2025), que pretende obrigar os pais a supervisionarem o uso da internet por menores de idade, deve ser analisada com cautela. Qualquer forma de obrigatoriedade imposta de fora pode gerar resistência, especialmente quando falamos da relação entre pais e filhos. Supervisionar não é apenas vigiar, é cuidar com afeto e escuta.
A autoridade que acolhe é mais eficaz que a que apenas fiscaliza. O ideal é transformar a supervisão em um espaço de conexão, não de punição. A internet tem sua importância, porém não substitui a afetividade, a educação, a presença de pais e responsáveis. O uso da internet está “sem controle”.
Privacidade emocional e o papel do cuidado ativo
É possível supervisionar sem invadir a privacidade emocional do adolescente. Para isso, é fundamental substituir o controle pela presença afetiva. Autonomia não é abandono. Supervisão é sobre criar um ambiente de confiança, escuta e limites claros. Conversar mais e fiscalizar menos.
Na visão psicanalítica, a função materna e paterna, exercida por qualquer cuidador, é sustentar esse espaço intermediário entre proteção e liberdade. Essa relação permite que o adolescente se sinta seguro o bastante para pedir ajuda e compartilhar o que vive no mundo online.
Pornografia não é educação sexual
Os riscos da exposição precoce à pornografia e a conteúdos hipersexualizados nas redes são grandes. A pornografia não foi feita para educar. Ela distorce o desejo, desumaniza relações, reforça estereótipos e normaliza a violência. Isso pode ser devastador para adolescentes em formação.
O consumo de pornografia pode gerar ansiedade, culpa, vergonhas, dificuldades com intimidade e comportamentos de risco. Por isso, é fundamental que educadores e famílias falem com clareza, responsabilidade e linguagem adequada sobre corpo, desejo, consentimento e respeito.
Educação sexual é proteção
Leis punitivas têm seu lugar, mas chegam tarde. A verdadeira proteção vem da educação sexual desde cedo. Ensinar crianças a nomear o que sentem, reconhecer situações de risco e confiar nos adultos de referência é a melhor prevenção contra abusos e exposições prejudiciais.
Educação sexual não é sobre incentivar a sexualidade precoce, mas sobre preparar emocionalmente a criança para proteger seu corpo, fazer escolhas com segurança e estabelecer limites. A punição vem depois do dano. A educação chega antes.
Excesso de telas e impacto no pensamento crítico
No tempo da hiperconectividade, o pensamento crítico precisa de pausa, escuta e silêncio. Com tanto estímulo imediato, perdemos o espaço da elaboração. O cérebro vicia em dopamina rápida: likes, notificações, vídeos curtos. Isso prejudica a atenção, gera ansiedade e dificulta a reflexão.
É recomendável criar momentos sem telas, incentivar atividades mais lentas e desenvolver a escuta profunda. Não é ser contra a tecnologia. É ensinar a usar com consciência.
Consequências físicas: sedentarismo, sono e postura
O uso excessivo de telas também traz efeitos corporais: sedentarismo, aumento do sobrepeso infantil, distúrbios do sono e problemas posturais. Crianças deixam de explorar o corpo e o espaço. Dormem mal, não aprendem bem e ficam mais irritadas.
É importante promover rotinas equilibradas, com movimento, brincadeiras livres e criatividade corporal. A tecnologia faz parte. Mas o corpo também precisa ser prioridade.
Presença, escuta e educação são os pilares da proteção
A proposta do Senado de obrigar os pais a supervisionar o uso da internet reacende uma discussão necessária: como educar e proteger na era digital? A resposta passa por três pilares: presença afetiva, escuta ativa e educação integral. Supervisionar, sim. Mas com acolhimento, não com medo. A proteção verdadeira nasce da relação.
Em tempos de férias e maior exposição digital, a prevenção passa por conversas abertas, rotinas equilibradas e adultos dispostos a orientar, escutar e proteger com empatia.
Por Marcela Jardim
educadora física, sexóloga, educadora sexual, psicanalista e professora de Filosofia
Artigo de opinião