Aumento de feminicídios e estupros em 2024: desafios e caminhos para o enfrentamento da violência contra a mulher

Entenda as causas do crescimento dos índices e conheça estratégias essenciais para combater a violência de gênero no Brasil

O último levantamento do Mapa da Segurança Pública de 2025, divulgado pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública, mostrou um aumento no caso de feminicídio e estupro em 2024. O número de feminicídios no ano passado é o maior da série histórica, com 1.459 ocorrências, o que representa uma média de quatro mulheres mortas por dia em razão de seu gênero. A região Centro-Oeste continua sendo a mais afetada, com uma taxa de 1,87 feminicídios a cada 100 mil mulheres, superando a média nacional de 1,34. Já os casos de estupro também alcançaram um pico, sendo o maior número dos últimos cinco anos, totalizando 83.114 ocorrências. Em média, 227 pessoas foram estupradas diariamente, sendo 86% das vítimas do sexo feminino. Em relação às taxas por 100 mil habitantes, os estados de Rondônia (87,73), Roraima (84,68) e Amapá (81,96) apresentaram os índices mais elevados.

Buscando reduzir esses números, nas últimas décadas o Brasil vem criando mecanismos institucionais para o enfrentamento da violência contra mulheres e meninas. As primeiras mudanças legais começaram nos anos 80 com a criação das delegacias da mulher e nos anos 90 com a criação dos Juizados Especiais. A criação do juizado trouxe à tona as ameaças e as lesões contra mulheres que até 1995 ficavam na polícia e não eram encaminhadas para o judiciário.

O acesso a esses dados contribuiu para a criação da Lei Maria da Penha (nº 11.340/06) em 2006. Ela criou os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, que tratam as questões tanto do âmbito penal quanto civil, sendo responsável por casos de agressão e também que envolvem guarda de filhos, pensão alimentícia, etc. Além disso, é possível a aplicação das medidas protetivas de urgência, que podem salvar vidas.

Em 2024 foi sancionada a Lei 14.994/24, que amplia para até 40 anos a pena para o crime de feminicídio, a maior pena prevista no Código Penal. Este ano, a Lei Maria da Penha foi alterada (Lei 15.125/25) para possibilitar o uso de tornozeleira eletrônica em agressores que estão sob medida protetiva de urgência em casos de violência doméstica e familiar.

A violência contra a mulher persiste, expondo-as às agressões pelo simples fato de serem mulheres. É considerado “violência contra a mulher” toda ação praticada contra ela por ser mulher que resulte em dano ou sofrimento físico, sexual, psicológico, moral, patrimonial ou morte. Para mudar essa realidade é preciso uma atuação individual e coletiva.

Escutar os relatos e ser empático é fundamental. Compartilhar uma vivência de violência é um ato de coragem. Ao receber o relato de uma mulher, é importante escutar atentamente, reforçar que nenhuma mulher merece sofrer violência, acolher e procurar compreender a situação. Acreditar no relato da vítima é essencial, pois a descrença dificulta o processo de rompimento com a violência. Se houver informações aparentemente duvidosas ou contraditórias, a investigação e o julgamento cabem às autoridades competentes.

Ter uma estrutura pronta para o acolhimento é fundamental. É preciso reconhecer que a palavra da vítima tem valor, embora ela não seja uma prova definitiva. O registro da ocorrência é um momento delicado, em que muitas vezes a mulher está sensível e tomando uma decisão emocionalmente pesada. Portanto, o atendimento deve ser bem feito e rápido.

A violência contra a mulher é um problema de toda a sociedade e deve ser combatida por todos. Ao presenciar ou ter conhecimento de violência contra uma mulher, deve-se ligar imediatamente para o 190, a emergência policial. Caso saiba de alguma mulher em situação de violência doméstica, incentive-a a registrar um boletim de ocorrência, que pode ser feito em uma Delegacia da Mulher ou, caso não haja uma na cidade, em uma delegacia comum. O boletim garante à vítima o direito a uma medida protetiva. Outras formas de auxílio incluem buscar o Creas (Centro de Referência Especializado em Assistência Social) do município ou entrar em contato com o número nacional 180, que registra a situação da vítima e a direciona aos órgãos competentes.

A ajuda da sociedade é crucial para que a mulher vítima de violência consiga acessar espaços de denúncia e acolhimento. Se necessário, é importante acompanhá-la durante o registro da denúncia ou a um hospital ou serviço médico. A formação de redes de apoio e proteção é fundamental para que mulheres em situação de violência consigam romper o ciclo.

O momento da violência deixa a vítima fragilizada, pois em muitos casos é cometido por alguém próximo. Nesse primeiro momento, quem tem conhecimento da violência pode dar apoio à mulher ou informá-la sobre a estrutura do Estado, que oferece acolhimento e esclarece dúvidas jurídicas. A Casa da Mulher Brasileira, por exemplo, oferece apoio psicossocial para mulheres em situação de violência durante a denúncia, além de acolhimento, triagem, apoio psicológico e social, e encaminhamento para serviços especializados. Psicólogos e assistentes sociais oferecem apoio emocional, orientação e acompanhamento para ajudar na recuperação do trauma e na reconstrução da vida. É possível acessar os estabelecimentos da Rede de Atendimento à Mulher pelo site do Ministério das Mulheres ou pelo 180, serviço gratuito e disponível 24 horas por dia.

O apoio psicológico prévio também pode evitar que a violência aconteça. A nova estrutura social, com mulheres mais independentes, acaba gerando uma crise do masculino, que é um dos principais impulsionadores da violência. Muitos casos afetam as classes populares, em que as mulheres trabalham fora e trazem o sustento da família, enquanto o homem está desempregado, o que propicia problemas ligados à drogadição e ao alcoolismo. Isso gera conflitos que levam as mulheres a decidirem pelo término do relacionamento. A não aceitação por parte desse homem — que já se encontra em crise identitária e do seu papel dentro da família — muitas vezes leva a práticas extremamente violentas, e até os filhos acabam sendo vítimas.

Os filhos que presenciaram a violência também necessitam de apoio psicológico. Estudos indicam que esse padrão de violência pode se repetir ao longo das gerações, com indivíduos que vivenciaram um ambiente familiar violento tendendo a reproduzi-lo em suas próprias relações na vida adulta, seja como vítima ou agressor.

Infelizmente, a violência contra mulheres acaba sendo um aspecto cultural e é preciso tratá-lo, mas é uma questão de médio e longo prazo, na qual a escola está implicada, e a questão das redes sociais também precisa ser enfrentada. Mas não podemos esperar que isso aconteça para garantir a proteção das mulheres, e essa proteção tem que ser feita pelos mecanismos legais e institucionais que temos disponíveis. Portanto, o caminho é o aprimoramento desses mecanismos.

Na nova estrutura social, muitos homens acabam fazendo parte de grupos masculinistas, seguindo discursos que levam a práticas violentas e machistas. É fundamental observar se as pessoas do seu convívio fazem parte desses grupos e, caso façam, denunciá-los para que as autoridades possam desmontá-los. Houve um aumento nos casos de agressão, e essa piora pode estar relacionada ao que acontece nas redes sociais, com a criação de grupos masculinistas, incels e outros que refletem uma crise da masculinidade contemporânea. Esse fenômeno atinge inclusive adolescentes que têm acesso a essas plataformas online e acabam sendo seduzidos por discursos que levam à reprodução de comportamentos machistas, patriarcais, autoritários e violentos.

Violência contra a mulher não se limita à agressão física por parceiros íntimos. Pais, padrastos, namorados e até desconhecidos podem ser agressores, como em casos de assédio. Por isso, informar-se através de leitura, vídeos, conversas e entrevistas é crucial para entender essa realidade, agir e promover a mudança.

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Por Rodrigo Ghiringhelli de Azevedo

sociólogo, professor e pesquisador da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS)

Artigo de opinião

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