Pisando em ovos – ou sobre medos e coragens
por Suellen Alves
É muito louco a coisa do medo, do sentimento de inadequação, mas é ainda mais louco você poder olhar nos olhos de alguém e ser você mesmo. Com suas esquisitices, suas inseguranças e sua cafonice,
Ser honesto e verdadeiro com os seus medos e suas coragens.
O que é genuinamente nosso, ninguém tira.
Seguimos todos fritando com pensamentos fatalistas. Querendo repetir comportamentos que não funcionam pra todo mundo, como se viver fosse uma receita de bolo, vamos adicionando ingredientes freneticamente até matar o tempo, evitando o tédio a qualquer custo.
Quando você vê, pesa na mão do fermento e o que seria um incômodo, cresce e vira um bolo tão grande que não dá pra engolir.
Não dá para viver pisando em ovos, ainda mais em ovos que colocam no seu caminho como se fossem os donos das galinhas, dos ovos de ouro, donos da razão.
Ninguém tem o direito de querer ser dono de nada numa vida que não a sua própria.
Não gosto dessa coisa de despedida, desaparecer, mas com o tempo a gente vai entendendo que não se pode tolerar o intolerável. Porém não significa desumanizar uns aos outros, as vezes o tempo não está do nosso lado e há que se aceitar o que não pode ser mudado.
Parece conformismo, mas é autocuidado, escolhas pensadas são o melhor skincare.
Se você não se respeita, como vai ensinar aos outros a te respeitar?
Precisei quase enlouquecer na mão de um lobo em pele de cordeiro pra entender a importância de colocar limites. O poder do não. E aprendi a dizer em alto e bom som: NÃO! Não aceito, não tolero, não quero, não é lugar pra mim.
Palavrinha mágica e potente do nosso português. Estes dias uma amiga disse que curitibano nasce com o NÃO na boca. Mas o não nos protege de tanta coisa. Meu coração é cheio de sim, mas entendo a importância do não na boca. O coração é ingênuo, não dá pra ceder a todas as suas vontades.
No fim, as atitudes dizem tão mais que as palavras.
Esse individualismo que parece muito autossuficiente é uma ilusão. Ninguém é completamente sozinho. Somos seres interdependentes, se aqui estamos foi porque alguém cuidou pra que aqui estivéssemos. Isso é tão bonito, percebe?
Durante o caminho seguramos em tantas mãos, outras a vida inteira e tudo passará. A última frase mesmo ficou para trás, mas levar consigo é uma escolha. E a gente sofre também as consequências das escolhas dos outros. Nunca me parece justo, mas justamente por sermos todos tão ligados e que não precisamos manter vínculos com quem não respeita nossa história, sublima nossos erros e diminui nossos acertos.
Sempre que escrevo, parece que é uma conversa comigo mesma, mas o fato é que nunca é sobre mim, sempre é sobre nós.
Mesmo quando soltam nossas mãos, mesmo quando precisamos segurar nossa própria onda e tomar os caldos da vida, no caminho alguém salva… A vida é essa onda, as vezes a gente surfa, as vezes toma caldo, o ideal é sempre não se afogar… tem tanto viver, não é?
E como eu ia dizendo, não dá pra pisar em ovos, não dá se preencher de vazios, não dá para se esconder pra sempre.
Às vezes é preciso tomar coragem e partir pra vida, apostar tudo, enfrentar as ondas grandes, quebrar os ovos na testa de quem limita a nossa natureza. Mesmo que isso signifique sair quebrado, antes quebrado do que inteiro moldado pra satisfazer desejos alheios.
Que nosso coração siga cheio de sins, mas que nossa boca seja seletiva o suficiente para dar voz aos nossos nãos e que nossos pés não passem uma existência pisando em ovos.