A importância de dar nome às coisas: Ou sobre o que interessa mais
por Suellen Alves
Volto a escrever esta coluna, a qual tenho tanto carinho, como quem senta com amigas numa mesa de bar ou toma um café com bolo no final da tarde, mas também como quem se reúne em uma redação pra debater pautas importantes.
Volto porque me permiti ser silenciada por tantas vezes e calei por sentir que minha voz incomodava. Tem uma criança aqui dentro que chora quietinha pra não incomodar, mas também tem uma adolescente rebelde que chuta a porta e faz barulho e é por ela principalmente, que não vou mais me calar.
Na ânsia de evitar o julgamento alheio as palavras foram se aquietando em minha boca e falando compulsivamente em minha cabeça e depois de quase um ano escrevendo “escondida” na ânsia de me adequar, percebi enfim, que fui vítima do discurso ao qual eu bato tanto.
Acontece o tempo todo, aconteceu também comigo. O machismo nos faz sentir culpas que não são nossas.
Escrever sempre foi um amor genuíno, onde me sinto livre para expressar o que penso e principalmente o que sinto. Quem escreve mostra um pouco da sua alma e organiza seus pensamentos, num mundo de tantos filtros para gente se esconder, se mostrar é dar a cara a tapa e isso, exige coragem.
Escrever também é uma maneira de conversar entre nós, num país onde ler não é hábito, escrever é uma revolução particular, no sentido mais bonito da palavra, mexer nas bases, questionar as estruturas.
Dito isso, alguns termos cunhados ao longo da história, soam como chingamentos, rótulos sociais que em determinadas ambientes, parecem ofensas pessoais.
Na minha primeira aula de sociologia, há quase 20 anos atrás, meu professor disse que o que nos difere dos animais é a linguagem, frase a qual me marcou profundamente, não disse as palavras, muito menos a comunicação, visto que até as árvores se comunicam através de suas raízes e os animais através de seus sons, disse “Linguagem” e assim, inicio essa reflexão com vocês que me leêm.
Semana passada recebi alguns amigos, as questões políticas sempre estão presente nos meus assuntos mais banais. A polêmica que se instaura não é minha, não vejo o tema como um assunto velado, visto que a política está presente no asfalto que a gente anda até a comida no nosso prato, porém, fatalmente, na discordância de ideias e ideais as vezes o tema é assunto delicado e costumeiramente polêmico.
Esse meu amigo recente, trouxe a mesa um tema interessante, problematizando o sufixo “ismo”, que na história da linguagem por muitas vezes já foi problemático. Para quem não lembra dessa aula, o sufixo ismo significa “tomar o partido de” ou “imitar a” e é geralmente usado para descrever filosofias, teorias, religiões, movimentos sociais, movimentos artísticos e comportamentos, formando nomes que designam conceitos de ordem geral.
Essa necessidade de pertencimento tantas vezes nos cega, é verdade que vivemos em bolhas, é verdade também que temos nossas culturas e somos muito divergentes, porem mais que isso, somos hipócritas. Uma sociedade auto centrada e vaidosa e claro, isso também serve de autocritica e porque digo isso? Porque sou arrogante em afirmar que tem situações em que não podem falar por mim e nem por nós. O que mulheres sentem na pele, são elas que sentem. O que mulheres pretas sentem, só elas podem falar por elas.
Existem muito mais realidades além das nossas bolhas no instagram.
Existe vida lá fora! Já passamos tanto tempo ouvindo homens brancos que já deu né. Tempo demais e que bom que tudo muda o tempo todo!
E porque eu to falando sobre isso, afinal? Essa desconexão com a realidade me coloca em constante preocupação. Meu amigo recente, justifica dizendo que militância traz consigo “limitância” e embora eu adore o joguete das palavras, política é um jogo difícil de ler.
Senão são tantas pessoas estudando, focadas, cunhando termos importantes, dando nome as coisas como por exemplo: Gashlight, misoginia, Mansplaining, narcisismo etc.
Termos tão importantes para que saibamos identificar violências de gênero. É muito fácil fingir que ela não existe, senão são milhões de vozes falando em alto e bom som: Eu também passo por isso! Nos tiram o direito até de Identificação com situações que só existindo enquanto mulher no mundo, passam, cada uma com seus B.Os, sem essa linguagem construída e ouvida por nós, talvez não conseguiríamos identificar padrões construídos socialmente e da mesma forma que se aprende, se reaprende. Tá todo mundo exausto de competição.
A linguagem é nossa forma de interação com o mundo e definitivamente, nossa leitura da mesma varia de acordo com nossa capacidade cognitiva, referência, cultura e afins…
Se posicionar diante de uma sociedade violenta deveria ser parte da nossa humanidade. É não a toa conforme os estudos vão avançando, dar nome à violência sofridas nos protege ou ao menos nos permite reconhecer. Termos como machismo, feminismo, femismo, elitismo… O problema definitivamente não está no nome das coisas e sim nas atitudes que as palavras sintetizam.
Feminismo, movimento político que luta por equidade de direitos não deveria ser comparado a um conjunto de ações que visam oprimir mulheres e tudo o que se assemelha ao feminino. Machismo e feminismo são incomparáveis, simplesmente porque não são antagonistas.
Por fim, dar nome aos bois ou as vacas, com o perdão do trocadilho infame, fala para além da palavra, porque o que num primeiro momento parece militância vazia, nos protege dessa violência estrutural que, apesar de terem tantos termos cunhados, estão longe de deixarem de serem praticados, o patriarcado segue infalível.
O bom de treinar mauy thai é que você aprende a tomar porrada e quanto a mim, ficar quieta diante de injustiça, nunca foi meu forte e além de levar porrada, a gente aprende a se defender. Mas de todo o coração, quero mesmo baixar a guarda, quero poder continuar olhando nos olhos das pessoas e acreditar que tem jeito.
Que as mulheres reconheçam ações misóginas e saibam impor limites me interessa mais, do que a opinião de quem vive no quentinho e confortável “o mundo é assim mesmo”.
Para que nossas crianças cresçam em ambientes mais saudáveis onde a masculinidade não seja tão frágil ao ponto da palavra ferir a honra. A nossa honra é ferida o tempo todos e nem pôr isso nos os matamos, queremos respeito. Apenas!
Onde as mulheres possam concluírem suas linhas de raciocínio sem serem interrompidas, onde mulheres possam dizer eu não aceito esse tratamento, sem serem mortas, onde a gente possa simplesmente viver em paz sem o medo constante do olhar e do julgamento social, me interessa muito mais.
Enquanto a violência de gênero for uma realidade vamos continuar falando sobre isso. Também sobre isso, porque temos muito mais a dizer.