Cigarro eletrônico: você vai cair nessa?
* Por André Luiz Dresler Hovnanian
O dia 29 de agosto marca o Dia Nacional de Combate ao Fumo, uma data de extrema importância contra o tabagismo no Brasil. Após décadas de luta e marcos na legislação que rege a comercialização do cigarro, o Brasil alcançou índices de redução de fazer inveja a qualquer país do mundo: nos últimos 30 anos, conseguimos reduzir em 50% o número da população de fumantes. Atualmente, mais de 90% dos brasileiros declaram-se não-fumante.
No entanto, os tempos estão mudando. Voltamos a viver um período de grande alerta: a popularização dos dispositivos eletrônicos para fumar (DEFs). Também conhecidos como “cigarros eletrônicos”, os DEFs vêm ganhando espaço no mundo e no Brasil principalmente entre os jovens. Recente pesquisa nacional realizada com mais de 9.000 brasileiros e brasileiras no primeiro trimestre de 2022, mostrou que um a cada cinco jovens entre 18 e 24 anos já teve contato com algum tipo de DEF. O dado é preocupante.
“Não fumo cigarro comum, só o eletrônico… estou seguro.”
Nos tempos da tecnologia digital e das mídias sociais, por que a indústria do tabaco seguiria investindo bilhões de dólares apenas num produto que queima folhas? Combustão é coisa do século XX! Pois é… essa poderosa indústria alavancou um protótipo inventado em 2003, na China, e se reinventou. Atualmente, ela está por trás de 75% das modernas fabricantes de DEFs.
Mas há algo que ela jamais poderia mudar: seu ingrediente-chave, a nicotina. O segredo que ninguém conta é que a nicotina causa dependência em cerca de 90% das pessoas que a consomem regularmente por mais de um mês. Claro, tudo começa apenas com uma tragada (ou inalada) eventual. Mas, quando menos se espera, você é mais um a cair na perigosa (e, para a maioria, inescapável) armadilha do vício da nicotina. Há DEFs que chegam a ter concentração de 5% de nicotina, o que quer dizer que cada mililitro do “juice” (líquido contido nos DEFs) tem 50 mg de sal de nicotina. Em média, cada cigarro tem um pouco menos de 1 mg de nicotina. Uma vez que um “pod” tem 1,3 ml, nesta concentração de 5% temos 3 maços de cigarro em quantidade de nicotina. E, pior, isso pode ser consumido facilmente em uma noite. Para quem pensou: “eu uso sem nicotina…”, não se engane: há estudos sérios, de boa qualidade, que mostram que eles também contêm a substância.
“Os DEFs causam menos doenças do que o cigarro de tabaco.” As redes (leia-se: a indústria do tabaco) usam de diversas estratégias com apenas um interesse: que você se torne um dependente de nicotina e compre seus “inofensivos” produtos. O “juice” usa diversos compostos químicos como o propilenoglicol e a glicerina, e possui mais de 15.000 tipos de aromas. O que será que resulta do aquecimento dessas substâncias a mais de 200 graus Celsius usando-se uma bateria com metais como o níquel, sabidamente cancerígeno? Um estudo americano da Universidade Johns Hopkins, publicado em 2021, respondeu: mais de 2.000 substâncias. Quais são os efeitos disso tudo na saúde? O cigarro vem sendo estudado, sistematicamente, desde os anos 50. Por outro lado, temos menos de 20 anos de uso de DEFs. Há, portanto, muito a ser descoberto sobre os reais danos que eles causam à saúde física e mental. De toda forma, já sabemos que são responsáveis por causar quadros inflamatórios agudos nos pulmões (com 68 mortes relatadas nos Estados Unidos em 2019), doenças respiratórias crônicas, como o enfisema pulmonar, além de doenças cardiovasculares, dermatites e, provavelmente, o câncer. Para você que quer parar de fumar, de novo: tenha muita cautela com o que as redes vendem de informação. Os DEFs não são uma opção para deixar de fumar. Nosso país possui diversos centros e profissionais especializados e qualificados para lhe ajudar.
Embora a ANVISA tenha proibido a comercialização, a importação e a propaganda de quaisquer tipos de DEFs em 2009, a fiscalização ainda é baixa e o acesso ao dispositivo, amplo e irrestrito. Anos de ações educativas, legislativas e econômicas e de parcerias entre a sociedade civil e o poder público foram necessários para reduzir o consumo de cigarro. Deu certo. Quem pode se imaginar, nos dias de hoje, ao lado de alguém com um cigarro aceso dentro de um ônibus, numa padaria ou num escritório, como era comum poucas décadas atrás? Por que não pensamos da mesma forma para o cigarro eletrônico?
Já faz quase 150 anos que essa máquina de fabricar doenças crônicas, mortes evitáveis e sofrimento permanente está entre nós. Hoje, com novos trajes (bastante atraentes por sinal), a indústria do tabaco talvez esteja mais forte do que nunca. O segredo para vencê-la está dentro dos nossos corações, das nossas mentes, dos nossos lares e em nos nossos valores. Eu estou fazendo o meu papel. E você? Vai cair nessa?
*André Luiz Dresler Hovnanian é pneumologista e professor do curso de Medicina da Universidade Santo Amaro – Unisa.