Núcleo Barro 3 estreia espetáculo Errantes a partir de pesquisa sobre monumentos de São Paulo dedicados à memória de figuras tirânicas

Peça de teatro foi criada a partir de disparadores como aulas públicas sobre a relação de monumentos paulistanos com figuras totalitárias e intervenções artísticas do elenco do Núcleo a esses espaços

Entre 12 e 28 de agosto de 2022, o Núcleo Barro 3 estreia no Centro Cultural São Paulo o espetáculo Errantes, obra criada a partir da expedição da companhia por monumentos da cidade de São Paulo que exaltam figuras opressoras e ditatoriais da história brasileira. A peça, iniciada no projeto cartas a ele, contou com uma série de etapas, como aulas públicas e intervenções urbanas. A dramaturgia de Errantes é de Victor Nóvoa e a direção é de Lucas França. No elenco, estão Rosana Pimenta, Gustavo Braunstein, Guto Vieira, Catarina Milani, Jefferson Brito Ramos e Letícia Oliveira.

Partindo da rua como um espaço que funda a identidade criativa do grupo, essa obra levanta o questionamento do que ocorreria se os trabalhadores decidissem parar. A dramaturgia, dividida em oito movimentos, traz performances relacionadas aos percursos do grupo pelos espaços da cidade marcados por homenagens a diferentes tiranos. 

“A linha condutora de Errantes é a observação da cidade. Olhar o espaço e problematizá-lo. A movimentação do elenco, apesar de ser coreográfica, tem proposição estética mais reta, linear, quase como corpos-máquina dentro de suas individualidades. São atores e atrizes que se utilizam de dispositivos da dança para compor imagens”, conta o diretor Lucas França.

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– Nem nasceu o sol.  Aqui, o café quando há, fervo no asfalto quente que berra logo cedo. Boto o sapato no pé. Uniforme posto. Corro. Desgosto. Corro. Imposto. Aperta os dedos. Calo na sola. Corro. Carro. Carro. Carro. Corro. Atravesso. Quase atropelado. De novo. Corro pra estar na segurança, na faxina, na entrega, na portaria. Corro. Sapato aperta. Dói demais. Esmaga os dedos. Estanca o sangue da base. A outra que tava aqui antes que eu, tinha o pé menor. Ela precisou sair. Sofreu acidente. Desandou.  Sigo no corre. Trem lotado. Olho para o chão.  Vejo multiplicado no piso trêmulo do vagão muitos sapatos, olho para o meu. São iguais. Quer dizer, uns mais velhos, outros mais apertados, largos, frouxos, com bico gasto, com a sola descolando, com rachaduras em cima, com barro preso, com… com… com… sigo no corre. Não tenho tempo pra sentir. Não tenho tempo pra imaginar. Pra esperançar. Não querem. Vai que eu olhe para todos esses sapatos e tenha uma ideia revolucionária. Vai que eu olhe para todos esses sapatos e decida inflamá-los para parar. Isso, só parar. Parar agora. Descer do trem, ir até a rua e simplesmente parar.  Cruzar os braços e deixar o tempo passar.

Trecho da dramaturgia de Errantes
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cenografia e o figurino também são pautados a partir das observações dos espaços públicos, trazendo a concretude desses lugares para os elementos cênicos do espetáculo. Os oito movimentos, inclusive, ocorrem em um cenário que remete a uma praça pública. Em certo momento, o coro de errantes também se organiza em uma espécie de festa-protesto, trazendo uma ideia de ocupação da cidade e propondo uma possível queda de figuras autoritárias.

Os corpos se movimentam dentro dessa estrutura concretada em diferentes formações, evocando a figura de errantes pela cidade. A sonoplastia é composta por uma trilha original com sonoridades presentes na cidade e a iluminação foi criada a partir de uma investigação sobre a iluminação de museus e de espaços públicos abertos.

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