A depreciação do trabalho criativo ou a árdua tarefa de ser artista no Brasil

Quando uma criança faz bagunça, rapidamente surge um adulto para dizer: Já está fazendo arte? Como forma de reprimir, em grande parte das vezes. Pensando nisso, trago alguns questionamentos e quero convidá-los a pensar comigo, sob duas perspectivas do mesmo tema.

Qual é sua relação com a arte? 

Quando você lê ou ouve falar em arte, o que lhe vem à cabeça?

Não tenho pretensão de responder perguntas que só cabem a cada um dentro de sua própria experiência e a relevância do tema dentro de suas vidas, mas, refletindo sobre a minha experiência pessoal e grande parte dos amigos que a arte me deu e meus mais de 20 anos em vivências artísticas e — sendo a única artista numa família imensa — 12 tios por parte de mãe, 8 por parte de pai — posso afirmar que dentro dessa família tradicional brasileira a qual cresci, classe média pobre – como eu gosto de chamar — essa turma que mata um leão por dia e ainda precisa desviar das antas- vindos da área rural do Estado para a “Cidade Grande”, nunca encarou a arte como profissão. Exceto os “famosos”.

O olhar que prevalecia sobre artistas não “famosos” sempre foi algo como alguém que “não deu certo”, veja bem, ser artista no Brasil é ser marginalizado em muitos meios, dentro de uma família sem qualquer “influência artística”, ou qualquer referência a qual me espelhar eu fui descobrindo a artista em mim sozinha, me apaixonando pela arte e suas mil possibilidades, mas não quero discorrer sobre minha trajetória profissional, quero pensar o todo fora do eixo, obviamente sem fugir da minha experiência pessoal:

Artistas por herança familiar ou cultura herdada!

Cresci ouvindo música gauchesca, sertaneja, moda de viola, não se tocava Beatles, Sinatra, tampouco música erudita na vitrola do meu pai, na adolescência meu irmão mais velho, começou a me apresentar, Led Zeppelin, Creedence, etc… Quando comecei a fazer curso de teatro já adolescente, aos 14 anos, foi quando me deparei com a Bossa nova, MPB, Ópera e afins.

Sempre me sentia a estranha no ninho conversando com os artistas locais e o mesmo se dava no seio familiar, não compreendia essa falta de pertencimento a qual me encontrava, muito mais tarde entendi que minha falta de repertório me colocava nesse “entre lugar” ou “não lugar”. Minha criatividade tampouco era referenciar.

Não querendo justificar o meu deslocamento social, até porque sempre fui muito adaptável a todos os lugares. Comecei a fazer teatro no mês seguinte após conseguir meu primeiro trabalho com salário fixo, logo, sobrava pouco tempo entre trabalho, escola, ajudar em casa e meu curso de teatro, não era possível me dedicar a estudar tanto quanto gostaria, o que de fato me fazia voltar todos os sábados as aulas de teatro, era a magia do mundo que se abria em minha frente.

Na minha primeira aula de teatro, no instinto Teatro Cultura, fizemos um exercício teatral chamado “Faça o rei rir “e isto consistia basicamente em: A pessoa que estava sentada não rir de jeito nenhum, trabalhando inclusive a própria concentração e todos os outros, sendo criativamente bobos, na ânsia de fazer o rei rir. Romper a barreira do medo, ser ridículo é a parte mais difícil, foi o grande primeiro aprendizado, ficou para a vida. Sigo tentando me livrar do medo de ser ridícula.

“A arte não é um espelho para refletir o mundo, mas um martelo para forjá-lo.” Vladimir Maiakóvski

Foi essa frase que fechou meu trabalho de conclusão de curso, já na faculdade. Trabalhar com arte sempre me foi colocado como um sonho, logo, inalcançável, sonho pobre tem dormindo, era o que meu lado racional dizia na minha consciência, toda vez que eu cogitava a possibilidade de viver de arte no Brasil… fui procurando caminhos próximos, porem alternativos.

O fato é que conforme os anos foram passando, os acessos foram sendo facilitados, a integração que veio por meio da internet, de alguma forma possibilitou ao artista brasileiro, mostrar sua arte de tantas formas, ou seja, muito trabalho sem remuneração adequada, o que nem de longe significa que os artistas sejam tratados com o mínimo de dignidade e valorização à qual merecem, por trás de toda inspiração, tem baldes de suor, horas intermináveis de estudo e trabalho pesado.

No fim, com as redes sociais as quais muito de nós precisam se fazer presentes, viramos todos produtores de conteúdo, não remunerados.

Escolher trilhar esse caminho, quase sempre é assinar um atestado de pobreza, quando não se tem uma base familiar para te amparar financeiramente, mas o que me levou a escrever sobre isso, é perceber que novamente os caminhos têm se estreitado com o descaso do poder público, que não é novidade, mas a crescente desvalorização e caça à bruxa aos artistas, por esse povo fascista que se esconde atras de um fundamentalismo religioso bizarro, me coloca em estado de alerta.

A arte é tão presente na nossa rotina, a arte nos salva de tantas maneiras, que eu jamais teria a arrogância de tentar fazer uma síntese sobre isso num texto.

Os artistas sempre resistem, sempre lutam, contra toda a censura, sempre trazem à tona assuntos jogados embaixo do tapete, sempre levantam discussões sobre assuntos aos quais a sociedade evita falar, arte é também uma ferramenta da imaginação e imaginar um mundo melhor, a gente sempre pode e deve.

Apesar de todo o descaso, o fato é que eu gostaria mesmo de ver os artistas existindo, sendo, estando e não apenas sobrevivendo, num país que é tão rico culturalmente e tão pobre de espírito. Eu sinto muito pela gente, mas se é difícil viver de arte no Brasil, viver sem ela é impossível.

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