Carta de despedida
Sobre portas encostadas e amores reincidentes.
No caminho de volta dentro do carro, mal olhou nos olhos dela. Deve ser a vergonha de jogar sentimentos, acordos e desejos para debaixo do tapete, como vivemos na mesma sociedade é até compreensível. Embaixo do tapete é o lugar confortável dos covardes.
Difícil encarar as próprias transgressões “Transgredir é da alma”, li num livro chamado “Alma Imoral” e fez tanto sentido. É preciso coragem pra assumir o que se sente e contra olhares que se cruzam e se incendeiam, não há argumentos — e no geral —, não somos preparados para entender o que sentimentos.
Fingir não sentir, fingimos que não importa, que é um desejo de passagem, fingimos orgasmos, fingimos amor, fingimos até onde conseguimos para evitar a dor da despedida, as dores de cabeça, lidar de frente com a vida.
Fingimos felicidade instagramáveis, escondemos felicidades genuínas, fingimos autonomia e auto suficiência, fingimos estar tudo bem em meio ao caos, fingimos normalidade diante da tragédia que assola o País. Fingimos acreditar nesse projeto de País. Karen Kardasha — uma personagem ótima — Diria “Finja até que atinja!”. Errada não tá!
Escreva uma carta de despedida! Pensei ao ouvir a história dela, dessas que não finda e nem permanece — antiquada que sou, acredito que, o que sai por escrito, nos exprime melhor!
Preenchemos o silêncio com palavras vazias. Falou sobre banalidades as quais nem afetam mais. A comunicação me é tão cara, no mais, é boa com as palavras e melhor ainda em se perder nelas. Lembro da época em que as palavras não eram tão necessárias. Não questionávamos muitas coisas. Vivíamos como os jovens daquela época viviam. Agíamos demais e pensávamos de menos. Fumávamos em silêncio na janela. Há 10 anos ele parou de fumar, ela tenta há mais de 20.
Na recordação do último encontro, tão fresco na memória, feito dois gatos vagabundos no telhado, era um encaixe tão bem desenhado, que a rotina não merecia mesmo lhes roubar a ilusão, a perfeição daquele momento. Ainda posso ver a imagem refletida no espelho, penso que aquelas cenas seriam dignas de um telão de cinema, mas veja só, não tem nada de fictício nesta história e tanta realidade caberia melhor num documentário.
A rotina é especialista em sublimar cansaços.
Falaram sobre amar e ser amado, sobre desejos passageiros, sobre expectativas de futuro, num rompante de êxtase do agora, declarou o amor do fundo da alma e assim se foi, levando a lembrança pra posteridade. Tem esse hábito de declarar amor para tirar de dentro de si. Gosta mesmo do amor por si mesma, sempre bem exposto, bem no raso que é onde consegue enxergar que nenhum amor deve ser maior que o amor próprio. É o único que finda, o restante é passageiro.
Falaram sobre política- e disso se arrepende porque cansa os ouvidos o senso comum- falaram sobre como já foram felizes juntos e talvez ainda pudessem ser, se não fosse pela quantidade de “se não” em seus caminhos. Desgastante, exaustivo e ilusório.
Despedidas são das coisas mais doídas para corações apaixonadas, mas são elas que não nos deixam esquecer a finitude dos encontros. Despedidas precisam de portas fechadas, trancadas e chaves jogadas fora e esquecidas onde.
Portas encostadas sempre podem nos assustar com alguém ressuscitando e nos assombrando sabe se lá por quanto tempo e “Não temos mais todo o tempo do mundo” ao contrário “Não temos tempo a perder” como diria Renato Russo. Não temos tempo para promessas vazias.
Quanto a mim, sobras, metades, restos não me interessam, exceto se eu estiver muito ocupada de mim mesma, exceto na falta de tempo para mergulhar em novos amores, exceto na falta de querer se abrir para coisas novas e na quantidade de exceções, quase se perde a regra. No fim, só sei amar assim, inteira. Aprendi com o amor romântico a enxergar beleza até onde não tem. Sigo tentando desaprender.
Queria morar aqui! Disse ele enroscado em seu corpo, com o olhar de criança que lhe é tão habitual. Ao se dar conta que não se pode morar nas paixões reincidentes, tão confundidas com o amor, repetia sem parar a palavra desculpa.
Não aceito suas desculpas! Não aceito desculpas por não me amar à altura do que eu mereço, seja lá o que isso signifique. Essas, você deve a quem tem suas promessas de futuro. A quem você faz planos com casinha, filhos e cachorros. A mim você deve distância. Distância essa que não deveria nunca ter sido subtraída por aquela ligação, que acendeu uma fogueira que há tempos era cinza, mas o amor romântico nos dá estas rasteiras na vida- Disse ela com a alma exposta e uma agonia no peito da despedida. Aprender a partir, quem ensina?
O amor nos dá folego, o amor é respiro e nem to falando do amor romântico, veja só. Falo desse amor que nos faz querer ficar, onde quer que seja. desse amor que desejamos fazer morada.
As histórias nos parecem tão boas de serem vividas. O mundo tá acabando, afinal, não é? Não, não é! O fato é que não tem vilão e mocinha nesta história, tem só adultos repetindo padrões ad infinitum e sinceramente, não nos servem mais, o amor é importante e não dá para permanecer em lugares que não se pode gritar a plenos pulmões “ EU TE AMO” em letras garrafais.
Amar num mundo que nos ensina tanto a odiar, amar em silêncio para não incomodar há quem se incomoda tanto com o barulho de quem é livre, não tem mais espaço, amar é resistência. Amor não é pausa, amor é sequência!