A ditadura da felicidade é o caminho para o sofrimento

A felicidade é uma emoção básica caracterizada por um estado emocional positivo, com sentimento de bem-estar e de prazer, associados à percepção de sucesso e à compreensão coerente e lúcida do mundo. A neuropsicóloga Leninha Wagner mostra que tal condição explica a relação entre a felicidade e saúde mental.

No Dia Mundial da Felicidade, é preciso entender o que ela representa e como ela deve ser dosada para evitar cair em sofrimento. Afinal, como bem destaca a neuropsicóloga Leninha Wagner, “a felicidade é um fenômeno predominantemente subjetivo, estando subordinada mais a traços psicológicos e socioculturais do que a fatores externamente determinados”.

Porém, ela ressalta que a identificação desses fatores é particularmente útil na subpopulação, “que é mais predisposta a doenças mentais, favorecendo o desenvolvimento de abordagens preventivas, com potencial repercussão nas áreas social e ocupacional”, reforça.

Nos tempos atuais, a felicidade é considerada um valor tão precioso e indiscutível que, como um exemplo emblemático, é possível citar a Declaração de Independência dos EUA, que registra que “todo homem tem o direito inalienável à vida, à liberdade e à busca da felicidade” Outros autores e pensadores também procuraram definir o que é felicidade. Freud, por exemplo, dizia que ela é considerada como o equilíbrio entre a expressão de nossos instintos e o controle de nossos desejos.

Mas, com a pandemia, Leninha lamenta que nesta situação em que a sociedade vive atualmente, fica difícil usufruir deste conceito na integralidade dessa expressão. “Somos seres relacionais, e, além disso, fomos diretamente afetados pelas medidas preventivas contra a infecção pela Covid-19, dentre elas o uso de máscaras e o afastamento social. Neste distanciamento, para preservar a saúde do corpo, o que podemos ver é um aumento crescente de quadros de ansiedade e depressão”, lamenta a neuropsicóloga.

Na contramão da diminuição os encontros “reais”, houve um aumento de atividades “virtuais”, por isso Leninha define: “Se na ordem do real e concreto temos que lidar com frustrações, rejeições, crises financeiras, lutos, ansiedade, depressão… Nas relações virtuais as pessoas parecem oferecer receitas diversas para todos  os problemas. Cursos de imersão que prometem em poucos dias ou poucas horas soluções mágicas para a felicidade. Como se ela estivesse à venda e de forma genérica ‘for all'”.

Diante deste contexto, surge a ditadura da felicidade, define a neuropsicóloga. Nela, existe uma “demonstração ostensiva de positividade e força nas redes sociais, a postagem da vida perfeita, da conquista do sucesso a todo custo, é tóxica e abusiva. O ser humano tem direito de sofrer, de chorar seus mortos, de elaborar seus lutos, suas perdas. As emoções negativas têm uma dimensão curativa. Entrar em contato com suas dores evitará sofrimentos futuros, pois nos permite amadurecer e aprender com nossos erros e a tirar aprendizados das lições proporcionadas pela escola da vida”.

Mas afinal, o que é felicidade?

No Dia Mundial da Felicidade, é importante entender o que ela representa: “Ela é um constructo, uma construção subjetiva, não visível aos olhos, mas sentida na travessia do ciclo vital. Quando comparamos momentos desafiadores que ultrapassamos e chegamos num lugar de maior conforto existencial.É necessário criar trajetos, projetos e percursos singulares e exclusivos para aprender. Porque assim é o terreno da vida, acidentado, com altos picos e vales profundos. Ficar triste é estar mais atento a si, e descobrir que a alegria é uma emoção rápida e fugidia. E feito ave arisca que não se deixa aprisionar nas gaiolas do tempo. Vibrar alguns tons abaixo dessa frequência às vezes é benéfico. Buscar o que de fato nos conduz a um sentimento mais duradouro, quando aprendemos a produzir e promover a paz, para consumo próprio e para oferecer ao outro. A manutenção da paz e do equilíbrio interior é prerrogativa da felicidade”, completa Leninha Wagner.

Para exemplificar o que é felicidade, Leninha usa os versos do poema Desejo, de Victor Hugo: “Desejo por sinal que você seja triste / Não o ano todo, mas apenas um dia. / Mas que nesse dia descubra / Que o riso diário é bom / O riso habitual é insosso e o riso constante é insano”.

Receita para a felicidade

Não existe uma fórmula pronta, nem uma receita ideal, mas, segundo Leninha Wagner, há dicas para viver plenamente a felicidade: “Que tenhamos a capacidade de usar de todas as emoções humanas com o propósito de evoluir dentro do ciclo vital. Impossível neste momento estar eufórico, sequer feliz, mas podemos estar em paz, elevando um pouco deste sentimento para apaziguar o peito de quem está em sofrimento”.

Mas, ao mesmo tempo, é importante se manter sempre alerta para evitar cair em uma depressão profunda, orienta a neuropsicóloga: “A ditadura da felicidade, aquela da vida perfeita, sem intercorrências ou enfrentamento de adversidade, é o que nos impede de lidar com frustrações, nos tornando vulneráveis a qualquer contingência da vida”.

Diante do cenário de pandemia, onde há um ano os brasileiros enfrentam o distanciamento físico e o isolamento social, Leninha reforça que “ainda se exige o uso do que nos torna essencialmente humanos: solidariedade, compaixão, altruísmo. Isso nos traz paz interior e nos proporciona momentos de felicidade, mesmo diante das incertezas que sabemos que o futuro ainda nos reserva. A vida nos cobra muitas coisas, mas se desenvolvermos coragem e disciplina, carregaremos uma chave que abrirá muitas portas”, finaliza.

Comece a digitar e pressione o Enter para buscar

Comece a digitar e pressione o Enter para buscar