O impacto oculto das pausas na carreira: desigualdade de gênero no mercado de trabalho brasileiro

Como as interrupções na trajetória profissional afetam desproporcionalmente as mulheres e aprofundam desigualdades estruturais

As pausas na carreira costumam ser tratadas como decisões individuais ou interrupções temporárias. Dados recentes, no entanto, indicam que esse fenômeno reflete desigualdades estruturais mais profundas no mercado de trabalho brasileiro. Embora homens e mulheres interrompam suas trajetórias por motivos distintos, as consequências dessas pausas não são equivalentes, especialmente quando se observa o tempo necessário para o retorno ao trabalho.

Uma pesquisa realizada em 2025 pela Be Back Now, em parceria com a NOZ Inteligência, analisou as principais motivações para a pausa na carreira entre profissionais brasileiros. Os resultados mostram que, entre as mulheres, a maternidade e outras responsabilidades de cuidado são os fatores predominantes. Entre os homens, a interrupção está mais frequentemente associada ao desemprego e à dificuldade de recolocação no mercado.

No entanto, a principal desigualdade não está apenas nos motivos da pausa, mas no que acontece depois dela.

Motivos distintos e trajetórias de retorno desiguais
De acordo com o estudo, 28,8% das mulheres apontaram a maternidade como a principal razão para pausar a carreira. Questões relacionadas à saúde mental e ao cuidado com familiares também aparecem com maior frequência entre elas. Já entre os homens, 32,8% indicaram o desemprego como principal fator de interrupção, seguido pela tentativa de empreender.

“Essas diferenças refletem a distribuição desigual do trabalho de cuidado no Brasil, historicamente concentrado nas mulheres. Dados externos ajudam a dimensionar o impacto dessa realidade no retorno ao mercado de trabalho”, destaca Tetê Baggio, CEO e fundadora da Be Back Now.

Levantamento do Movimento Mulher 360 mostra que mulheres são cinco vezes mais propensas do que homens a deixar o mercado de trabalho após a chegada dos filhos. Além disso, uma parcela relevante dessas mulheres permanece fora do emprego formal por três anos ou mais, enquanto períodos prolongados de afastamento são significativamente menos comuns entre os homens.

O tempo fora do mercado como penalidade estrutural
Quanto maior o tempo de afastamento, maiores tendem a ser as barreiras para o retorno. A perda de vínculos profissionais, a defasagem percebida de competências e o estigma associado a trajetórias não lineares reduzem as chances de reinserção, especialmente para mulheres que pausaram a carreira por motivos de cuidado.

Esse fenômeno contribui para um quadro mais amplo de exclusão econômica. Dados do IBGE, analisados pela NEWA, indicam que mais de 11 milhões de mulheres estão fora da força de trabalho no Brasil devido a responsabilidades domésticas e familiares. Esse contingente representa não apenas uma perda de renda individual, mas também uma redução significativa do potencial produtivo do país.

Embora homens que pausam a carreira por desemprego também enfrentem dificuldades de retorno, a evidência disponível sugere que eles tendem a se recolocar em menos tempo e com menor penalidade de longo prazo. A desigualdade, portanto, não está na pausa em si, mas na forma como o mercado absorve diferentes tipos de interrupção.

A permanência prolongada fora do mercado de trabalho afeta rendimentos ao longo da vida, contribuições previdenciárias e o acesso a cargos de liderança, aprofundando desigualdades de gênero no médio e longo prazo. Esse efeito acumulado conecta a pausa na carreira a debates mais amplos sobre participação, poder e representação.

Pausas na carreira como questão sistêmica
Os dados indicam que as pausas na carreira não devem ser analisadas apenas como escolhas individuais, mas como momentos em que desigualdades estruturais se tornam visíveis. Homens e mulheres pausam por razões diferentes, mas o mercado reage de forma desigual, sobretudo quando o cuidado está envolvido.

Em um contexto de envelhecimento da população e escassez de talentos qualificados, compreender e reduzir as barreiras ao retorno após pausas prolongadas pode contribuir tanto para a equidade de gênero quanto para a eficiência econômica. O desafio central não está na pausa, mas nas condições desiguais de retorno ao trabalho.

A

Por Antonio Montano

Diretor

Artigo de opinião

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