Proteção Infantil nas Festas de Fim de Ano: Atenção e Cuidados Essenciais
Como garantir a segurança das crianças em ambientes festivos e evitar situações de risco mesmo entre familiares e conhecidos
O período de festas de fim de ano costuma ser associado à celebração, encontros familiares e momentos de descanso. Para as crianças, esse também é um tempo de maior liberdade: mudanças de rotina, circulação por diferentes ambientes, viagens, pernoites fora de casa e convivência com pessoas que nem sempre fazem parte do cotidiano. Esse cenário, no entanto, exige um olhar atento dos adultos. Especialistas alertam que a combinação entre rotina alterada, ambientes cheios e vigilância reduzida pode aumentar a vulnerabilidade infantil a situações de risco, inclusive dentro do próprio círculo familiar.
Segundo a educadora sexual, psicanalista e sexóloga Marcella Jardim, existe uma falsa sensação de segurança associada às festas familiares. “Muitas pessoas acreditam que, por estar em família ou entre conhecidos, o risco é zero. Mas, justamente nesses ambientes de confiança, os limites costumam ficar mais flexíveis e a supervisão diminui”, explica. Para ela, cuidado não é sinônimo de desconfiança, mas de presença, comunicação e proteção constante, independentemente do contexto.
Durante as festas, as crianças costumam circular mais entre adultos, ficar por períodos prolongados longe dos pais, dormir em ambientes diferentes e conviver com pessoas pouco frequentes em sua rotina. Esse conjunto de fatores cria situações em que a vigilância se dilui. “A rotina muda, os adultos relaxam e, sem perceber, comportamentos de risco passam a ser naturalizados”, afirma a especialista.
Entre os principais pontos de atenção subestimados pelos responsáveis estão permitir que a criança circule sozinha entre adultos, fique em quartos ou espaços isolados com outras pessoas, ou minimizar mudanças de comportamento como silêncio excessivo, irritação repentina, medo ou retraimento. “Toques, brincadeiras ou piadas inadequadas muitas vezes são tratados como normais, quando deveriam acender um alerta”, diz. Ela reforça que o excesso de confiança no ambiente faz com que sinais importantes sejam ignorados.
Outro fator crítico é o consumo de álcool em eventos festivos. Ambientes em que os adultos estão distraídos ou alcoolizados tendem a reduzir o senso de responsabilidade e atenção. Nesses casos, Marcella orienta que a supervisão seja intencional e organizada. “É fundamental definir previamente quem será o adulto responsável por acompanhar a criança durante a festa, garantindo que essa pessoa esteja sóbria, atenta e disponível”.
Além disso, ela recomenda evitar que a criança circule sozinha por áreas isoladas, observar com quem ela está e por quanto tempo, e combinar sinais simples para que possa pedir ajuda ou se aproximar dos pais sempre que se sentir desconfortável.
A observação do comportamento infantil é uma das principais ferramentas de proteção. Como nem sempre conseguem verbalizar o que sentem, as crianças costumam expressar desconforto por meio de atitudes. Evitar uma pessoa específica, mudar repentinamente de humor, insistir em ficar perto dos pais, pedir para ir embora, apresentar queixas físicas sem causa aparente ou se recusar a frequentar determinados espaços são sinais que não devem ser ignorados. “Esses comportamentos não são manha ou timidez. São formas de comunicação”, ressalta Marcella.
Situações de contato físico também merecem atenção especial. Em festas, ainda é comum a expectativa de que crianças aceitem toques ou brincadeiras que podem ser inadequados, o que reforça a necessidade de vigilância e diálogo constante.
Como estratégia adicional, Marcella sugere a criação de códigos simples de comunicação, combinados previamente com a criança, para que ela possa pedir ajuda discretamente durante o evento. Pode ser uma palavra comum, uma frase cotidiana ou um pedido aparentemente normal que, para os pais, signifique que algo não está bem. Ainda assim, ela faz um alerta: nenhum código funciona sem vínculo. “O melhor sistema de proteção é a confiança. Quando a criança sabe que será ouvida e acolhida, ela pede ajuda com ou sem código”.
A orientação preventiva deve acontecer antes das festas, de forma leve e adequada à linguagem da criança. A recomendação é evitar discursos alarmistas ou assustadores. “A conversa precisa reforçar que o corpo dela merece respeito, que ela pode dizer ‘não’ sempre que se sentir desconfortável e que pode procurar os pais a qualquer momento”, orienta. Segundo Marcella, quando a criança sente que os adultos confiam em sua capacidade de perceber o que sente, ela se torna mais segura, não mais temerosa. “Prevenção não tira a leveza da festa. Ela sustenta a segurança”.
Caso a criança relate qualquer incômodo com alguém da família ou convidado, a resposta dos adultos deve ser imediata e cuidadosa. A primeira atitude, segundo a especialista, é acreditar no relato. “É essencial manter a calma, escutar sem interromper, agradecer pela confiança e deixar claro que a criança não fez nada de errado.” Em seguida, é necessário afastá-la da situação ou da pessoa envolvida, sem exposição ou constrangimento. Marcella reforça que proximidade ou laços familiares não invalidam o desconforto e que buscar orientação profissional faz parte do cuidado. “A mensagem mais importante que a criança precisa receber é: ‘Eu te escuto, eu acredito em você e eu vou te proteger’”.
As festas de fim de ano podem, e devem, ser momentos de alegria e construção de memórias positivas. Para isso, especialistas reforçam que a proteção infantil precisa ser ativa, consciente e constante. Informação, diálogo e presença são os principais aliados para garantir que a celebração seja, de fato, segura para todos.
Por Marcella Jardim
educadora sexual, psicanalista, sexóloga, educadora física e professora de Filosofia
Artigo de opinião



