Verão Laranja: o perigo do culto ao bronze e a desinformação digital no aumento do câncer de pele no Brasil
Como mitos nas redes sociais e a valorização do bronzeado contribuem para a banalização da exposição solar e elevam os riscos de câncer de pele, o tumor mais comum do país.
Com a chegada do verão e a intensificação da exposição ao sol, o Brasil volta a enfrentar um problema que se repete ano após ano: o avanço silencioso do câncer de pele, o tumor mais frequente do país. Ele responde por cerca de 30% a 33% de todos os diagnósticos oncológicos, e o Instituto Nacional de Câncer (INCA) estima mais de 220 mil novos casos anuais, sendo 85% do tipo não melanoma e 15% do melanoma, a forma mais agressiva da doença.
Apesar de sua alta incidência e da existência de estratégias de prevenção simples e eficazes, a doença segue subestimada. Parte do problema está no comportamento social que idolatra o bronzeado e, mais recentemente, na propagação de desinformação por influenciadores que confundem alcance com autoridade científica.
Vivemos em um país de altíssima exposição solar, mas ainda com baixa percepção de risco. O dano provocado pela radiação ultravioleta é cumulativo e silencioso, e sua consequência mais grave é justamente o câncer de pele, totalmente ligado a hábitos que poderiam ser prevenidos.
As redes sociais se tornaram um espaço central de disseminação de tendências, incluindo temas relacionados à saúde. No campo da dermatologia, esse ambiente tem contribuído para a circulação de informações imprecisas sobre proteção solar. A Skin Cancer Foundation, nos Estados Unidos, identificou um aumento significativo de conteúdos que questionam a segurança dos filtros químicos e que atribuem a eles impactos negativos à saúde. Segundo a organização, esse tipo de narrativa se espalha rapidamente em plataformas digitais.
Um levantamento da American Academy of Dermatology (2024) aponta que 59% dos jovens da Geração Z acreditam em mitos como “bronzeado é saudável” ou “um bronzeado inicial evita queimaduras”. Esse cenário favorece comportamentos que elevam o risco de melanoma, um tipo de câncer de pele que também afeta pacientes jovens.
No Brasil, tendências que estimulam o bronzeado intenso e desestimulam o uso de protetor solar alcançam grande audiência em vídeos curtos, especialmente no verão. Quando uma tendência viraliza, ela entra no cotidiano com uma velocidade que a ciência nem sempre consegue acompanhar. A saúde não pode ser guiada por algoritmos. Influência demanda responsabilidade, e informações incorretas podem gerar consequências importantes.
Entre os comportamentos discutidos pela comunidade médica está a chamada tanorexia, caracterizada pelo desejo persistente de manter a pele bronzeada, mesmo diante de sinais de dano solar. O quadro envolve uma percepção distorcida da própria imagem, na qual a pessoa se considera “pálida” mesmo após exposições prolongadas. Esse ciclo tende a se repetir para recuperar a cor desejada, o que reforça padrões que podem trazer prejuízos cumulativos à pele.
No país, a valorização cultural do bronzeado, frequentemente associado a lazer, vitalidade e bem-estar, contribui para que práticas de exposição solar sem proteção se tornem mais comuns. As redes sociais, ao amplificar imagens que destacam o chamado “glow do verão”, também influenciam a construção dessa estética.
O bronzeado passou a ser interpretado como sinônimo de vitalidade, mas essa relação não se sustenta quando analisamos seus efeitos biológicos. O aspecto realmente saudável é o da pele protegida. A vermelhidão ou o escurecimento após a exposição solar indicam lesão celular.
A chance de cura do câncer de pele ultrapassa 90% quando o diagnóstico é feito precocemente, segundo a Sociedade Brasileira de Dermatologia (SBD). O desafio está em reconhecer alterações suspeitas e buscar avaliação médica sem demora.
Qualquer pessoa pode desenvolver câncer de pele, inclusive indivíduos de pele negra, que não são imunizados pela melanina. O mito de que pessoas negras não têm câncer de pele atrasa o diagnóstico e aumenta o risco de casos graves. A doença pode surgir em regiões menos pigmentadas, como palmas das mãos, plantas dos pés e mucosas.
A regra do ABCDE permanece como uma das ferramentas mais eficazes para identificar sinais de alerta:
A – Assimetria
B – Bordas irregulares
C – Cor variável
D – Diâmetro acima de 6 mm
E – Evolução ao longo do tempo
Outros sintomas incluem feridas que não cicatrizam, sangram ou doem.
Determinados grupos têm risco aumentado para o desenvolvimento de câncer de pele, o que torna a atenção redobrada ainda mais necessária. Pessoas de pele muito clara, ruivas ou com sardas apresentam menor proteção natural contra os raios ultravioleta e, portanto, sofrem danos com maior facilidade. Quem possui histórico familiar ou pessoal da doença também compõe um grupo de maior vulnerabilidade, assim como indivíduos que tiveram exposição solar intensa ao longo da vida, especialmente aqueles que sofreram queimaduras na infância e na adolescência, fases em que a radiação causa impacto duradouro nas células da pele. A idade acima de 65 anos e o uso prévio de câmaras de bronzeamento, proibidas no Brasil desde 2009 devido ao aumento comprovado do risco de melanoma, completam a lista de fatores que exigem mais vigilância.
Diante desse cenário, a adoção de medidas preventivas torna-se essencial. O uso diário de protetor solar com FPS 30 ou mais é um dos pilares da proteção, inclusive em dias nublados, sempre com reaplicação a cada duas horas ou após contato com água. Evitar a exposição ao sol entre 10h e 16h, período em que a radiação ultravioleta atinge seu pico, reduz significativamente o risco de danos. Chapéus de aba larga, óculos com proteção UV, roupas com filtro solar e a busca por sombra são estratégias complementares que potencializam a defesa da pele. Além disso, manter-se hidratado e observar regularmente manchas, pintas e lesões que mudam de aparência são atitudes fundamentais para garantir o diagnóstico precoce. Consultas periódicas com um dermatologista completam esse cuidado, sobretudo para quem já apresenta fatores de risco.
O grande desafio no câncer de pele é construir uma percepção real de risco. Ainda tratamos a exposição solar como algo inofensivo, quase cultural, quando na verdade ela carrega consequências que se acumulam ao longo dos anos. Precisamos transformar a forma como o brasileiro enxerga a própria pele: não como algo secundário, mas como um órgão vital que responde diretamente aos nossos hábitos. Quanto mais cedo compreendermos isso, maior será nossa capacidade de reduzir casos avançados e evitar mortes que poderiam ser prevenidas.
Por Rodrigo Perez Pereira
oncologista, líder nacional da especialidade pele da Oncoclínicas
Artigo de opinião



