O futuro chegou — e trouxe habilidades que não servem para nada
Treinar por horas para vencer um truque. Aplaudir por segundos. Esquecer em minutos.
O vídeo dura poucos segundos. O truque é perfeito. O “WIN” acontece.
O algoritmo vibra. O público aplaude.
E, logo depois, tudo desaparece.
Nunca se treinou tanto para entregar tão pouco. Em plataformas como TikTok, Instagram e YouTube, proliferam performances que exigem horas — às vezes anos — de treino obsessivo para dominar um gesto, um movimento, um acerto improvável. Impressionam por instantes, mas não deixam rastro. Quando a tela escurece, fica a pergunta incômoda: e daí?
A era da performance vazia
Vivemos a era do esforço sem consequência. Confundimos dificuldade com relevância, treino com propósito, habilidade com espetáculo. O resultado é uma vitrine infinita de pessoas extremamente dedicadas a coisas que não impactam a própria vida nem a de quem assiste.
Não se trata de demonizar o treino ou a disciplina. O problema está no destino desse esforço: um fim em si mesmo, calibrado para capturar atenção por segundos e evaporar logo em seguida.
É a gamificação do nada. XP sem construção.
“Mas isso é entretenimento” — e é aí que o argumento falha
A defesa mais comum é automática: “mas isso é entretenimento, como o circo, como atuar, como dançar”. A comparação parece elegante, mas é profundamente equivocada.
Circo, teatro, dança e atuação nunca foram só truque. Sempre foram linguagem, narrativa, técnica a serviço de emoção, crítica, beleza e significado. Um trapezista não treina anos para acertar o salto — ele treina para provocar tensão, assombro, catarse. Um ator não decora falas para exibir memória, mas para construir personagens que nos fazem pensar sobre quem somos.
O truque sempre foi meio. Nunca foi o fim.
O que domina boa parte do conteúdo viral hoje é outra coisa: estímulo sem narrativa, repetição sem construção, performance sem mensagem. Não há começo, meio e fim. Não há conflito, transformação ou reflexão. Há apenas o instante exato do acerto.
Isso não é circo.
É dopamina coreografada.
Quando o difícil não é sinônimo de útil
Existe uma armadilha clara: se algo exige muito treino, deve ter valor. Nem sempre. Muitas das habilidades que realmente transformam vidas — pensamento crítico, comunicação clara, leitura profunda, visão estratégica, empatia aplicada, capacidade de síntese — são difíceis, lentas e pouco glamourosas.
Não cabem em cortes de 15 segundos. Não geram aplauso imediato. Exigem silêncio, frustração e tempo. Por isso, perdem espaço para o truque bonito que entrega sensação de grandeza sem impacto real.
O algoritmo não premia profundidade. Premia retenção.
O entretenimento que empobrece
Há uma diferença essencial entre entretenimento que expande repertório e entretenimento que apenas ocupa tempo. O primeiro diverte e permanece. O segundo distrai e evapora.
A ideia de que entretenimento “não precisa servir para nada” é confortável — e falsa. Ele pode aliviar dores, provocar riso, gerar beleza, criar identidade cultural, estimular reflexão. Quando não faz nada disso, não é libertador. É vazio funcional.
Não descansa. Não inspira. Não transforma.
Apenas anestesia.
Quando o truque vira projeto de vida
O problema não é alguém aprender algo inútil por prazer. Sempre fizemos isso. O problema começa quando esse tipo de performance vira identidade, métrica de valor pessoal e promessa de futuro.
Quando o aplauso vira o plano.
O algoritmo, vale lembrar, não avisa quando o alcance cai, quando a moda passa ou quando o público segue para o próximo “WIN”. E quase nunca há rede de segurança fora da tela.
O futuro não é de quem acerta truques
É de quem entende contextos, conecta ideias e resolve problemas reais. De quem transforma complexidade em clareza. De quem troca o aplauso momentâneo por valor acumulado.
O truque viral passa.
O impacto real permanece.
Talvez o gesto mais revolucionário hoje não seja aprender algo novo, mas escolher aprender o que realmente importa, mesmo que ninguém bata palma.
Porque, no fim, o futuro não pertence a quem impressiona por segundos —
pertence a quem constrói algo que continua de pé quando a tela apaga.



