O alto custo da negligência à saúde mental no ambiente de trabalho
Como o avanço dos transtornos mentais e a cultura corporativa tóxica impactam a economia, a justiça e a sociedade brasileira
O Brasil se depara com uma crise no mundo do trabalho relacionada à saúde mental. Apesar de avanços recentes, como a atualização da Norma Regulamentadora nº 1 (NR-1), que passou a reconhecer os riscos psicossociais no ambiente laboral, o país ainda não está suficientemente preparado para enfrentar o aumento dos transtornos mentais entre os trabalhadores. A falta de estruturas adequadas para prevenção e suporte tende a agravar a situação nos próximos anos, especialmente diante do crescimento dos casos de adoecimento psíquico e da intensificação de disputas judiciais ligadas ao tema.
Os números reforçam a gravidade do problema. Em 2023, o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) registrou mais de 220 mil afastamentos previdenciários por transtornos mentais, um avanço superior a 40% em comparação com 2017. O Burnout, reconhecido pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como fenômeno ocupacional desde 2022, tornou-se o transtorno mais prevalente, superando doenças físicas em setores como telemarketing, tecnologia e educação. Apenas em 2022, afastamentos relacionados a depressão, ansiedade e Burnout somaram mais de R$ 10,5 bilhões em custos ao INSS, segundo dados da Fiocruz e da ANAMT.
Essa crise no ambiente de trabalho não se limita às estatísticas de saúde: seus efeitos também se refletem de forma concreta no sistema de Justiça. Dados do Tribunal Superior do Trabalho (TST) mostram que, entre 2020 e 2024, a Justiça do Trabalho registrou 458.164 novas ações envolvendo pedidos de indenização por dano moral decorrente de assédio moral no ambiente laboral. Só entre 2023 e 2024, houve um aumento de 28%, passando de 91.049 para 116.739 processos. No 1º e no 2º graus, o Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região, em São Paulo, concentrou a maior demanda, com 130.448 ações. Esses números evidenciam que ambientes organizacionais tóxicos geram impactos que vão além do sofrimento individual, resultando em consequências jurídicas, financeiras e reputacionais significativas.
Diante desse cenário, torna-se evidente que a resposta empresarial e institucional ainda está muito aquém do necessário. A atualização da NR-1 em 2022 representou um avanço significativo ao reconhecer formalmente a saúde mental como risco ocupacional, mas sua implementação encontra barreiras práticas. Em vários setores, persiste a resistência em rever modelos de gestão centrados na pressão contínua por desempenho, o que perpetua metas desproporcionais, jornadas imprevisíveis, lideranças despreparadas e ausência de canais seguros de denúncia. Todas essas práticas ampliam o sofrimento psíquico e fortalecem uma cultura de silêncio que impede a resolução dos problemas.
A dimensão econômica do problema também expõe a urgência de mudanças. O adoecimento mental não impacta apenas ausências registradas ou licenças médicas. Ele reduz silenciosamente a produtividade por meio do presenteísmo, da queda na concentração, de erros operacionais e da retração da criatividade. Além disso, aumenta a rotatividade, eleva custos com substituições e compromete a continuidade de conhecimento dentro das equipes. No campo jurídico, o crescimento das ações e o aperfeiçoamento das provas sobre riscos psicossociais ampliam o passivo potencial das empresas, sobretudo das que não conseguem demonstrar práticas efetivas de prevenção. Assim, a inércia se revela mais dispendiosa do que qualquer investimento estruturado em bem-estar.
No âmbito jurídico, há igualmente necessidade de evolução. A jurisprudência relacionada à saúde mental no trabalho ainda se mostra fragmentada e demasiadamente concentrada na comprovação individual do dano. Contudo, os transtornos psíquicos ligados às condições de trabalho se manifestam, em grande parte, como fenômenos coletivos e organizacionais. Isso exige critérios mais claros para avaliação de riscos psicossociais, quantificação de danos morais e determinação da responsabilidade empresarial. Para isso, decisões judiciais precisam incorporar evidências científicas, indicadores de gestão e análises periciais mais qualificadas.
Avançar nessa agenda demanda uma mudança de paradigma dentro das organizações. A saúde mental precisa assumir centralidade estratégica, o que requer políticas robustas de prevenção, revisão de metas, adequação das jornadas, capacitação de lideranças e mecanismos efetivos de combate ao assédio moral. Programas de acolhimento e reintegração também têm papel fundamental, reduzindo recaídas e promovendo retornos mais seguros. Empresas que já adotam essas práticas têm experimentado ambientes mais estáveis, equipes mais engajadas e resultados operacionais mais sustentáveis.
No setor público, o papel do Estado também precisa ser ampliado. É essencial fortalecer a fiscalização, ampliar a oferta de serviços de saúde mental e garantir a aplicação efetiva da legislação já existente. Iniciativas de conscientização e capacitação de gestores podem transformar a forma como sinais de sofrimento psíquico são identificados e tratados, permitindo intervenções precoces que evitam agravamentos.
Portanto, fica claro que a crise de saúde mental no trabalho tem características estruturais e só será superada por meio de ações igualmente estruturais. Proteger os trabalhadores não é apenas uma obrigação ética, mas uma estratégia essencial para a sustentabilidade econômica, social e institucional do país. Ignorar essa agenda significa permitir que uma crise já instalada se intensifique, com impactos cada vez mais severos sobre empresas, sobre o sistema de saúde, sobre a Previdência e sobre toda a sociedade. O momento exige responsabilidade, ação coordenada e visão de futuro.
Por Hugo Vitor Hardy de Mello
advogado, graduado em Direito pela Faculdade Editora Nacional, pós-graduado em Direito Processual Civil pela PUC-SP, sócio-fundador do Hardy de Mello Advogados, com mais de 14 anos de atuação focada na defesa de trabalhadores
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