O peso invisível das notícias negativas na saúde emocional

Como o excesso de informações negativas afeta nosso corpo e mente e estratégias para preservar o equilíbrio

A rotina digital transformou a forma como recebemos o mundo — e, muitas vezes, rápido demais. O corpo reage primeiro. A amígdala dispara, o ritmo cardíaco muda, a respiração se altera. Somos empurrados para um estado de alerta antes de entender o que ocorreu. Esse mecanismo automático, essencial para a sobrevivência, opera hoje de forma constante — mesmo quando estamos apenas com o celular na mão e não diante de um perigo real.

Essa resposta imediata ajuda a explicar sensações cada vez mais comuns: um incômodo que não se sabe nomear, uma inquietação que aparece do nada, o sentimento persistente de que algo ruim está prestes a acontecer. O corpo fala antes do pensamento.

Para o organismo, uma notícia carregada de violência ou ameaça ativará o mesmo circuito neurobiológico que seria despertado diante de um perigo real. Mesmo sentados no sofá, o corpo reage como se precisasse lutar ou fugir: músculos contraídos, respiração curta, tensão interna. Em algumas pessoas, esse estado prolongado se transforma em sintomas físicos — dores de cabeça, alterações digestivas, irritabilidade, dificuldade para dormir ou uma sensação permanente de vigilância.

Estamos parados, mas o corpo age como se fosse preciso se defender. Ele sente aquilo que a mente ainda não conseguiu pensar.

Por que reagimos tanto às notícias negativas? Ficamos expostos a uma torrente de realidade para a qual não temos tempo de elaboração. Quando não há intervalo, a notícia deixa de informar e passa a invadir. É nesse ponto que o impacto emocional se amplia, afetando sono, humor, concentração e até a forma como nos relacionamos com o cotidiano.

Quem fica mais vulnerável? Períodos de maior fragilidade emocional tornam o indivíduo mais sensível ao excesso de estímulos. Pessoas vivendo luto, esgotamento, ansiedade ou insegurança tendem a sentir o impacto de maneira mais profunda. A ausência de redes de apoio — afetivas, sociais ou econômicas — também aumenta a vulnerabilidade.

Crianças e adolescentes merecem atenção redobrada. Ainda em formação, podem interpretar conteúdos negativos de forma literal, transformando informação em fantasia catastrófica. O contato precisa ser mediado. A função do adulto é ajudar a criar sentido, colocar palavras onde só existe sensação.

Como se proteger sem se desconectar? A solução não é se afastar completamente das notícias, mas recuperar a capacidade de escolher quando e como se expor. Criar limites psíquicos é tão importante quanto criar limites digitais.

Entre as estratégias possíveis estão: definir horários específicos para se atualizar; evitar a busca compulsiva por novos alertas; priorizar fontes que ofereçam contexto e não apenas impacto; estabelecer pausas reais ao longo do dia; retomar rotinas básicas que sustentam o corpo, como dormir bem, se alimentar com calma e caminhar.

A palavra transforma a sensação em pensamento. O que conseguimos nomear deixa de nos dominar. Quando o impacto emocional persiste, a psicoterapia pode ajudar a reorganizar o excesso e fortalecer o sujeito diante das demandas externas.

O desafio contemporâneo é que vivemos um tempo em que a informação chega antes da respiração. O celular vibra, a tela acende, o corpo reage — tudo isso antes de qualquer elaboração interna. Nesse cenário, o grande desafio é reconstruir o intervalo entre o fato e a reação, entre a notícia e o corpo.

É nesse intervalo que voltamos a nós. A realidade continua ali, mas já não nos atravessa como ameaça. Podemos, enfim, habitá-la sem nos perder.

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Por Camila Camaratta

psicóloga e psicanalista

Artigo de opinião

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