Devedor contumaz: por que o novo projeto de lei é importante — e ainda pode sufocar o pequeno empresário

Regime mais rígido promete justiça tributária, mas preocupa quem mais sofre com o peso do sistema: os pequenos

A Câmara dos Deputados deve analisar, em regime de urgência, o projeto que cria regras mais rígidas para devedores contumazes — empresas que acumulam dívidas tributárias de forma reiterada, estratégica e injustificada. O objetivo é claro: diferenciar quem enfrenta dificuldades momentâneas de quem usa a inadimplência como modelo de negócio.

Na teoria, parece a medida perfeita para combater fraudes multibilionárias e corrigir distorções na concorrência.
Na prática, porém, surge o receio de sempre: será que o pequeno empresário — já asfixiado por impostos, burocracia e baixa margem — não será o maior impactado de novo?


O que o projeto propõe

O PLP 125/2022, relatado por Antônio Carlos Rodrigues (PL-SP) e debatido com o ministro Fernando Haddad, cria o Código de Defesa do Contribuinte e estabelece critérios para separar quem deve porque está em apuros de quem deve porque planeja dever.

🔍 Quem é considerado devedor contumaz?

  • Inadimplência substancial,

  • Reiterada,

  • Injustificada.

❌ Penalidades previstas

  • Perda de benefícios fiscais

  • Restrições para participar de licitações

  • Impedimento de usar a recuperação judicial como ferramenta de postergação

  • Maior rigor em processos administrativos tributários

✔️ Incentivos a quem paga em dia

  • Programas de conformidade fiscal

  • Selo de bom pagador

  • Possível redução na CSLL

  • Prioridade em análises e liberações

  • Redução do custo de litígio e estímulo à autorregularização

A meta é reduzir a dependência de Refis sucessivos e premiar empresas que cumprem obrigações.


Onde o texto acerta

1. Enfrenta grandes esquemas de evasão

Operações como Carbono Oculto e Poço de Lobato revelaram fraudes bilionárias envolvendo combustíveis, fintechs e até financiamento de facções criminosas.
O projeto tenta fechar brechas e reduzir o terreno fértil para esse tipo de atuação.

2. Promove concorrência justa

Empresas que “crescem” deixando dívidas para trás criam uma vantagem artificial sobre quem paga tudo corretamente.
O projeto busca nivelar esse jogo.

3. Incentiva a cultura de compliance

Hoje, muitas empresas só ajustam tudo quando o problema explode.
Com incentivos positivos, o governo tenta criar uma lógica de regularidade preventiva.


O ponto cego: o pequeno empresário pode sair ferido

Aqui entra o calcanhar de Aquiles do projeto — e também a parte que mais preocupa o micro e pequeno empreendedor.

❗ 1. Falta de distinção clara entre “apagão de caixa” e má-fé

Pequenas empresas enfrentam sazonalidade, calotes, queda de vendas e custos fixos altos.
Esse cenário pode gerar atrasos involuntários e temporários, que nada têm a ver com sonegação estruturada.

Mesmo com mecanismos de autorregularização, existe o temor de que critérios subjetivos acabem enquadrando pequenos negócios que atravessam momentos difíceis.

❗ 2. O peso psicológico e financeiro de mais um risco

Para quem vive no fio da navalha — pagando imposto sobre nota emitida, não sobre dinheiro recebido — qualquer ameaça de sanção extra vira motivo de angústia.

Em vez de focar nos grandes conglomerados que usam dívidas como estratégia, há receio de que a fiscalização acabe onde sempre acaba:
no pequeno, porque é mais fácil de alcançar.

❗ 3. A promessa de incentivos pode não chegar igualmente a todos

Redução da CSLL e programas de conformidade são avanços, mas nem sempre microempresas têm estrutura para cumprir todos os requisitos de compliance exigidos.

Resultado?
Os grandes recebem selo, vantagem competitiva e benefícios.
Os pequenos ganham mais uma lista de obrigações.


O que especialistas defendem

  • Regras mais claras que diferenciem “dificuldade temporária” de “inadimplência estratégica”

  • Critérios proporcionais ao tamanho da empresa

  • Programas de conformidade adaptados a MEI, micro e pequenas

  • Foco da fiscalização em operações fraudulentas e não em negócios locais tentando sobreviver

Porque, no fundo, justiça fiscal só existe quando a régua é proporcional.


Impacto econômico esperado

Segundo o parecer:

  • Aumenta previsibilidade

  • Reduz vantagem competitiva de quem sonega

  • Estimula concorrência por mérito

  • Melhora segurança jurídica

  • Enfrenta fraudes transnacionais em cooperação com outros países

  • Fortalece o combate ao crime organizado que usa evasão fiscal como financiamento

Todos avanços necessários — desde que a execução não recaia, de novo, sobre quem já carrega o maior fardo.


Então… o projeto é bom ou ruim?

Bom na intenção.
Promissor na arquitetura.
Arriscado na implementação.

Se aprovado com critérios sensíveis à realidade do pequeno empresário, pode ser um marco de justiça tributária.
Se não, vira mais um capítulo da história de quem tenta empreender no Brasil e, mesmo sendo honesto, passa a vida desviando de armadilhas criadas por um sistema que deveria ajudá-lo — não puni-lo.

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