A civilidade está em risco?
Uma reflexão sobre pertencimento, empatia e o que nos torna humanos
Nos últimos anos, uma pergunta silenciosa começou a se espalhar pelo imaginário coletivo: estamos perdendo a capacidade de enxergar o outro como alguém que poderia ser nós?
Não é uma pergunta sobre política, segurança pública ou ideologias. É algo muito mais profundo — e mais íntimo.
É sobre civilidade.
Sobre o tecido invisível que permite que sociedades funcionem, mesmo quando discordam.
Quando começamos a deixar de nos reconhecer
Em muitos momentos do cotidiano, parece que algo se deslocou dentro de nós. Reações desmedidas, julgamentos instantâneos, pouca paciência para nuances, quase nenhuma disposição para compreender contextos.
Não se trata de maldade.
Trata-se de cansaço emocional — um cansaço que, acumulado ao longo de anos de incerteza, crises e instabilidade, vai moldando a forma como enxergamos o mundo.
E quanto mais cansados estamos, menos espaço sobra para a empatia.
O medo silencioso que virou hábito
O medo é um dos sentimentos mais poderosos que existem.
Quando se instala, ele reorganiza prioridades: primeiro eu, depois os meus, e só então o resto do mundo.
Nesse modo de funcionamento, a empatia deixa de ser um reflexo natural e passa a ser um esforço.
Colocar-se no lugar de alguém exige energia — e muitos já não têm energia sobrando.
Assim, pouco a pouco, criamos esse ambiente estranho:
um lugar onde a proteção do que é “meu” parece importar mais do que a vida de quem é “outro”.
A era das respostas rápidas demais
As redes sociais aceleraram tudo.
O tempo para pensar diminuiu, e o incentivo para reagir aumentou.
Viramos espectadores de uma avalanche de opiniões, conflitos e certezas absolutas.
Nessa velocidade, nuances desaparecem.
E quando nuances desaparecem, a humanidade também vai ficando opaca — até virar sombra.
É mais fácil julgar quando não há tempo para refletir.
É mais fácil condenar quando não se vê o rosto da pessoa.
É mais fácil aplaudir quando não se imagina que um dia alguém que amamos poderia estar naquela situação.
Essa não é a perda da civilidade.
É a perda da proximidade.
A pergunta que pode mudar tudo
Talvez a reflexão mais importante seja esta:
Quando foi a última vez que tentamos enxergar uma história pelo ângulo de quem perdeu — e não de quem venceu?
A civilidade não se mede pelo que defendemos quando tudo está bem.
Ela se revela no que escolhemos proteger quando o mundo parece difícil demais.
E se há algo que aprendemos nos últimos anos é que não existe estabilidade emocional coletiva sem empatia.
Quando a empatia falha, o medo governa.
E quando o medo governa, a humanidade diminui.
Como reconstruir o que parece ter se rompido
Ninguém precisa concordar em tudo.
Ninguém precisa abrir mão de suas convicções.
Mas existe um ponto de encontro possível — simples e poderoso:
Reconhecer a dignidade humana em qualquer pessoa, mesmo antes de entender a história dela.
Esse é o primeiro passo para relembrar algo que nunca deveríamos perder:
que a civilidade não é um luxo.
É o alicerce.
É o que nos impede de transformar diferenças em distâncias irreconciliáveis.
E, no final, a verdade é esta:
A civilidade não está desaparecendo.
Ela está pedindo socorro.
E cada escolha nossa — pequena ou grande — pode ser um gesto de reconstrução.
Porque a pergunta nunca foi “de que lado você está?”.
A pergunta sempre foi:
“Ainda conseguimos nos ver como parte de um mesmo nós?”



