O tempo perdido na pressa de ganhar tempo

Reflexões sobre a aceleração da vida moderna e a busca pelo tempo próprio em meio às demandas diárias

Hoje acordei com aquela sensação estranha de estar atrasado antes mesmo de abrir os olhos. Sentei-me na beira da cama, olhei para o relógio e não entendi como a noite tinha acabado tão depressa. O corpo parecia cansado demais para a hora que marcava. A cabeça, pesada demais para começar qualquer coisa. Nesse pequeno intervalo entre me levantar ou não, me peguei pensando no tempo — no meu tempo, no que faço com ele, no que ele faz comigo.

Passei o dia observando meus próprios movimentos com uma sinceridade rara. Trabalho, compromissos, tarefas que se acumulam como pedras no bolso. A vida moderna tem o talento cruel de transformar as horas em algo que escorre pelas frestas: almoço apressado, notificações que chamam sem parar, mensagens que exigem respostas imediatas, notícias que despejam o mundo sobre a gente antes mesmo do café. Depois vem a casa: coisas para arrumar, roupas para lavar, contas para pagar. Responsabilidades silenciosas, mas sempre presentes, ocupando espaço mental. E quando não é isso, é o trânsito — esse monstro cotidiano que devora tempo sem pedir licença.

E então surge a pergunta incômoda: onde está o tempo que deveria ser meu? O tempo para respirar sem culpa. O tempo para ler um livro sem olhar o relógio. O tempo para não fazer nada — e não me sentir inútil por isso.

Não sei exatamente quando deixei de ter tempo. Ele foi desaparecendo aos poucos, entre metas, demandas e obrigações que nunca perguntam como estou. Talvez tenha começado quando passei a acreditar que produtividade é preencher todos os minutos com alguma função. Talvez tenha sido quando me convenceram de que descansar é desperdiçar vida. Talvez tenha sido quando me acostumei a dormir exausto todas as noites.

Olho ao redor e vejo que não estou sozinho. Há gente carregando cansaços que não cabem em palavra nenhuma. Pessoas que passam horas no trânsito só para chegar ao trabalho. Pessoas que saem de um turno para resolver problemas da casa, da saúde, da escola dos filhos. Pessoas que não têm um minuto para contemplar o próprio pensamento.

A impressão é a mesma: estamos todos correndo, mas já não sabemos exatamente para onde.

Vivemos em um mundo que cobra presença constante, mas nos esvazia por dentro. Produzimos tanto que, no fim do dia, fica a sensação de não ter produzido nada que realmente seja nosso. Somos úteis para sistemas, empresas, algoritmos, rotinas… e inúteis para aquilo que importa de verdade: nossa saúde mental, nossos vínculos, nossa contemplação, nossa alegria.

E, às vezes, isso dói mais do que admitimos.

Talvez o grande problema seja que nos ensinaram a medir o tempo apenas pelas coisas que fazemos — nunca pelo que sentimos. Nunca pelo intervalo entre uma obrigação e outra, onde talvez more a vida que estamos perdendo sem perceber.

Eu gostaria de terminar este texto com uma resposta, uma fórmula ou uma saída. Mas não tenho. Tenho apenas a constatação de que o tempo, esse velho conhecido, continua passando — e que talvez eu precise reaprender a encontrá-lo antes que ele me escape de vez.

E você? O que tem feito com o seu tempo? Ou melhor: o que o seu tempo tem feito com você?

R

Por Roberto T. G. Rodrigues

escritor, poeta e autor de Golandar, o Paladino, entre outras obras

Artigo de opinião

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