Tirzepatida e o mercado bilionário das “canetas emagrecedoras”: riscos e desafios do uso clandestino
Enquanto a indústria original domina globalmente, o mercado paralelo cresce no Brasil, expondo perigos à saúde e à economia.
A tirzepatida, princípio ativo do Mounjaro®, tornou-se um dos medicamentos mais potentes para emagrecimento e controle do diabetes, mas também gerou um mercado clandestino bilionário no Brasil. Investigações da Anvisa e da Polícia Federal revelaram produção e venda de produtos falsificados, enquanto a indústria original domina o mercado global, sem concorrentes à altura, com cifras e influência inéditas.
A tirzepatida foi aprovada pelo FDA (agência americana de medicamentos) em 2022 e rapidamente reconhecida por sua eficácia no controle do diabetes tipo 2 e na redução de peso. Estudos clínicos de fase 3 demonstraram perda de peso média de até 20% em pacientes com obesidade, quando usada em protocolos rigorosos, combinada com dieta e exercícios. Além disso, pesquisas indicam efeitos positivos em metabolismo, controle de glicemia e redução de inflamação sistêmica.
Globalmente, a tirzepatida (Mounjaro® e marcas relacionadas) representa uma parcela significativa da receita da fabricante, com vendas de cerca de 10 bilhões de dólares em apenas três meses. A indústria por trás do Mounjaro teria atingido 1 trilhão de dólares em valor de mercado, reforçando a dimensão econômica e o poder da franquia. Sem concorrentes diretos atualmente, a tirzepatida mantém controle absoluto sobre o setor, consolidando um monopólio que influencia preços, estratégias comerciais e distribuição.
“O problema não é a tirzepatida, é o uso irresponsável. O que estamos vendo é um medicamento extremamente potente sendo transformado em atalho. Isso é perigoso. A tirzepatida não é, e nunca foi, um recurso para ser usado sem critérios”, esclarece Dr. Adriano Faustino, médico nutrólogo, especialista em medicina integrativa e funcional e diretor da Sociedade Brasileira de Medicina da Obesidade (SBEMO).
No Brasil, operações policiais identificaram laboratórios improvisados, clínicas estéticas e influenciadores digitais envolvidos na produção e venda de tirzepatida falsificada. Foram cumpridos 24 mandados de busca e apreensão em quatro estados, incluindo a apreensão de jatinho, carros de luxo e relógios de alto valor, evidenciando a dimensão do negócio paralelo. Produtos clandestinos podem conter doses incorretas, contaminantes microbianos ou ausência total do princípio ativo, oferecendo risco grave à saúde.
“A pessoa que recebe um produto fora da cadeia regulada está literalmente submetendo seu corpo a um experimento sem controle”, alerta Dr. Faustino.
Pacientes que utilizam tirzepatida sem acompanhamento médico enfrentam riscos clínicos sérios. Estudos e relatos indicam que até 82% podem perder massa muscular significativa, e ao interromper o tratamento, recuperar predominantemente gordura corporal. A ausência de protocolo médico adequado aumenta também o risco de hipoglicemia, alterações digestivas e falha terapêutica.
A tirzepatida abre uma janela metabólica; se o paciente não a atravessa com dieta, sono e exercício, o remédio vira paliativo temporário.
Além do emagrecimento, a tirzepatida apresenta efeitos promissores: melhora metabólica, redução de inflamação, impacto positivo em doenças hepáticas, diabetes, lipedema e potencial em alguns tipos de câncer. Estudos científicos indicam que o medicamento atua em múltiplas vias hormonais e metabólicas, reforçando sua eficácia quando associado a mudanças de estilo de vida. Contudo, nenhum efeito é pleno sem acompanhamento médico e hábitos saudáveis.
“Há potencial terapêutico real, mas não é solução mágica — e tem riscos quando mal usado”, destaca Dr. Faustino.
O crescimento do mercado paralelo e a ausência de concorrentes reforçam a necessidade de supervisão médica rigorosa. Influenciadores digitais que promovem uso sem protocolo aumentam o risco de efeitos adversos e perpetuam a desinformação.
“Quando há tanto dinheiro em jogo, aumenta a pressão para monopólio de mercado e para práticas que não priorizam a saúde pública”, reforça o especialista.
A tirzepatida, ao criar um mercado bilionário, impacta não apenas pacientes, mas toda a cadeia farmacêutica. O monopólio permite controle de preços e distribuição, enquanto a alta demanda e o marketing digital agressivo criam vulnerabilidade para consumidores leigos. O mercado clandestino expõe riscos sociais e sanitários, desde golpes digitais a acidentes de saúde decorrentes de produtos falsificados.
Recomendações práticas:
– Verificar a procedência do produto, exigindo nota fiscal de farmácias ou clínicas credenciadas.
– Desconfiar de ofertas “baratas” em redes sociais.
– Priorizar acompanhamento médico e mudanças no estilo de vida para qualquer tratamento com tirzepatida.
Com monopólio consolidado e ausência de concorrentes, a tirzepatida se mantém como a única opção potente desse tipo no mercado, reforçando a importância de cautela, supervisão médica e segurança do paciente.
“O paciente deve entender que não existe atalho seguro: acompanhamento médico, estilo de vida adequado e atenção à procedência do medicamento são fundamentais para qualquer resultado efetivo e seguro.”
Por Dr. Adriano Faustino
Médico graduado pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG); Título de Especialista em Medicina Legal e Perícias Médicas; Formação em Geriatria, Nutrologia, Medicina Funcional, Fisiologia Hormonal e Oncologia Integrativa; Coordenador do Ambulatório de Obesidade e Síndrome Metabólica do Hospital Regional de Betim/MG; Professor universitário nas áreas de Medicina Legal, Anatomia Médica, Primeiros Socorros e Legislação Médica; Professor de Pós-Graduação na Fundação Unimed e no Mestrado em Saúde da Faculdade de Direito Milton Campos (MG); Diretor da Sociedade Brasileira de Medicina da Longevidade (SBML) e da Sociedade Brasileira de Medicina da Obesidade (SBEMO)
Artigo de opinião



