Menopausa e Raça: Desigualdades que Impactam a Saúde de Milhões de Mulheres Negras
Evidências científicas revelam sintomas mais intensos, início precoce e barreiras no acesso ao tratamento para mulheres negras durante a menopausa
A transição menopausal não ocorre da mesma forma para todas as mulheres e, no caso das mulheres negras, estudos internacionais revelam um conjunto de desigualdades que inclui sintomas mais duradouros, início mais precoce e menor acesso a tratamentos especializados.
Pesquisas como o SWAN (Study of Women’s Health Across the Nation) — estudo multicêntrico iniciado em 1994 nos Estados Unidos, que acompanha milhares de mulheres há mais de 25 anos para entender como fatores biológicos, raciais, sociais, culturais e econômicos influenciam a saúde feminina no climatério — revelam que 46% das mulheres negras relatam sintomas vasomotores, como fogachos, em comparação com 37% das mulheres brancas. Esses sintomas podem persistir por até dez anos, uma duração significativamente maior do que a observada entre mulheres asiáticas, brancas e hispânicas.
A ciência já demonstrou que a menopausa é vivida de maneiras distintas. Entre mulheres negras, vemos sintomas mais intensos e prolongados, e isso tem impacto direto na qualidade de vida, no sono, na cognição e no bem-estar.
Uma das explicações mais robustas para essa diferença é o fenômeno conhecido como weathering — o desgaste biológico causado pela exposição crônica ao estresse. Segundo o SWAN, mulheres negras apresentam níveis elevados de carga alostática já aos 45 anos, refletindo o efeito acumulado de fatores sociais, emocionais e ambientais. Mesmo quando controlamos por renda e escolaridade, as mulheres negras continuam apresentando maior desgaste fisiológico. Isso mostra que estamos falando de fatores estruturais que atravessam gerações.
A literatura científica também aponta que mulheres negras e hispânicas tendem a entrar cerca de 1,2 anos mais cedo na menopausa e a vivenciar sintomas por períodos mais extensos. Quando uma paciente negra chega ao consultório com queixas intensas por muitos anos, isso não é exceção, é um padrão documentado.
No Brasil, com 30 milhões de mulheres na faixa do climatério e 54% da população composta por pessoas negras, o tema ganha importância populacional. Estudos nacionais e internacionais mostram que até 82% das brasileiras nessa fase referem sintomas que interferem na vida cotidiana. Reconhecer as diferenças raciais na menopausa é essencial para melhorar a escuta, o diagnóstico e a orientação clínica.
Ampliar o olhar é o primeiro passo. As mulheres negras merecem uma abordagem que considere sua história de vida, seus marcadores biológicos e suas experiências. Equidade em saúde começa por enxergar essas diferenças.
O debate precisa estar no centro da agenda científica e clínica: menopausa tem sotaque brasileiro, tem sotaque regional, tem sotaque socioeconômico. E sim, tem sotaque racial. Reconhecer isso não é ser politicamente correto, é ser cientificamente correto. Não estamos falando de militância, mas de ciência. As desigualdades estão medidas, descritas e replicadas em estudos. Agora precisamos agir.
Por Fabiane Berta
médica e pesquisadora (CRMSP 151.126), integrante do Science Medical Team – OB-GYN Specialist, mestranda no setor de Climatério | Menopausa, pesquisadora adjunta no setor da Endometriose | Dor pélvica pela UNIFESP, pós-graduação em Endocrinologia, Neurociências e Comportamento, fundadora do MyPausa, PI sub e chefe do Steering Committee do Estudo MyPausa (Science Valley), coordenadora da Saúde Feminina para a Arnold Conference 2026
Artigo de opinião



