Como a Conveniência Digital Está Enfraquecendo Nossa Capacidade de Aprender
O conforto tecnológico pode estar limitando a criatividade, o pensamento crítico e o aprendizado profundo em nossas vidas e no ambiente corporativo.
Você não precisa mais sair de casa para comer algo diferente, assistir a um filme recém-lançado ou conversar com um desconhecido. Com poucos toques no celular, o restaurante vem até você, o streaming sugere o que assistir e a IA do atendimento já adivinha sua pergunta. A tecnologia entregou uma vida mais fácil, mas será que, com ela, veio também uma vida menos rica? O que chamamos de conforto pode estar nos afastando do mundo e, por consequência, de nós mesmos.
A hipótese é inquietante. E começa a ganhar eco em dados recentes. Um estudo com mais de 9.500 pessoas na Dinamarca mostrou que o uso digital passivo e solitário, como rolar feed sem conversar ou assistir a vídeos sozinho, está fortemente associado à insatisfação com a vida, mais do que qualquer outro tipo de atividade com telas. Além disso, pesquisadores da Universidade de Nebraska descobriram que a simples presença de um celular durante uma reunião reduz a qualidade do pensamento crítico e da criatividade, mesmo que o aparelho não seja usado ativamente.
Esses dados convergem para uma mesma crítica: ao terceirizar a curiosidade para algoritmos, estamos abrindo mão do potencial de aprendizado que nasce de momentos de dúvida, de deslocamento e de presença intencional. Aprender exige presença, fricção e, muitas vezes, improviso.
E estamos nos afastando de todas essas coisas em nome da eficiência. O alerta vale para a vida pessoal e, principalmente, para o trabalho. Em um ambiente corporativo cada vez mais automatizado e orientado por indicadores, o espaço para o erro, o acaso e a tentativa se reduz. Estamos confundindo performance com aprendizado e esquecendo que o que mais nos transforma não costuma vir de um plano.
No fundo, o que está em jogo é um tipo de inteligência que não cabe num dashboard. É a inteligência que nasce da exposição ao inesperado, do jantar que deu errado, do trajeto diferente e da conversa desconfortável. O conforto do agora pode estar nos custando o repertório de amanhã.
E há sinais claros de que a conveniência está, de fato, limitando a nossa aprendizagem. Um deles aparece quando nossas escolhas de aprendizado começam a ser guiadas quase exclusivamente por algoritmos e redes sociais; quando, em vez de buscarmos o novo por curiosidade própria, apenas consumimos o que nos é oferecido. Outro indício surge quando evitamos situações em que não nos sentimos competentes ou no controle.
Preferir o conhecido ao incerto pode até parecer estratégico, mas muitas vezes é apenas um mecanismo de defesa. Ao deixar de frequentar espaços em que somos iniciantes, seja em uma nova linguagem, tecnologia ou contexto social, abrimos mão do tipo de aprendizado que realmente amplia repertório, aquele que exige desconforto, humildade e abertura.
Há também o hábito de consumir sempre os mesmos tipos de conteúdo, nos mesmos lugares, com as mesmas pessoas. Algoritmos sabem o que você gosta e servem isso repetidamente. Mas aprender exige atrito, contraste e desvio. Se tudo o que você lê, ouve e assiste já confirma o que pensa, o que resta para transformar? Quando a bolha é confortável demais, ela vira cela. Explorar conteúdos fora da zona de familiaridade é essencial para expandir o pensamento e desenvolver novas conexões.
E talvez o sinal mais evidente: não lembrar a última vez em que algo importante foi aprendido sem planejamento. Se todo o desenvolvimento está preso a metas, cursos e checklists, algo pode estar faltando. O aprendizado mais profundo acontece justamente apesar dos planos, numa conversa inesperada, numa dúvida surgida no trânsito ou num erro cometido ao improvisar. Aprender de forma incidental não é perder o controle. É estar disponível para aquilo que o cotidiano quer ensinar, mas que muitas vezes não estamos ouvindo.
Por Conrado Schlochauer
Pesquisador, consultor, palestrante e fundador da nōvi – a lifewide learning company; Mestre em Criatividade pela PUC-SP; Doutor em Aprendizagem de Adultos pelo Instituto de Psicologia da USP; Ambassador do Chapter São Paulo da Singularity University; autor dos livros Lifelong Learners e Aprendizado Incidental
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