Falhas Institucionais e o Sofrimento Psíquico: O Caso da Leoa em João Pessoa
Como a ausência de políticas integradas expõe pessoas em sofrimento mental severo a riscos extremos e tragédias evitáveis
A morte do jovem de 19 anos que entrou na área de uma leoa no zoológico de João Pessoa (PB) levou a discussões sobre o sofrimento psíquico severo e a fragilidade das redes de cuidado no Brasil. De acordo com familiares e documentos divulgados pela imprensa, o jovem vivia com histórico de vulnerabilidade, possível condição neurológica e passagens por diferentes setores públicos, uma trajetória que ajuda a contextualizar o risco extremo que culminou no episódio.
Para Karen Scavacini, psicóloga, pesquisadora e fundadora do Instituto Vita Alere, compreender casos como esse exige deslocar o olhar do ato em si para tudo o que o antecedeu. “Quando situações extremas como essa acontecem, é comum que o debate público se concentre apenas no episódio. Mas o que realmente precisamos enxergar é o cenário anterior que permitiu que aquela tragédia se tornasse possível”, afirma.
Esses episódios raramente acontecem de forma isolada. Na maioria dos casos, são consequência de vulnerabilidade social combinada com falhas sucessivas das instituições públicas. Pessoas em sofrimento intenso passam por escolas, unidades de saúde, assistência social, segurança pública e até pelo sistema judiciário, mas quase nunca encontram uma política que integre essas áreas ou assegure continuidade de cuidado.
O Brasil teve avanços importantes com a luta antimanicomial, mas isso não elimina a necessidade de estruturas qualificadas para casos graves e episódios como o de João Pessoa evidenciam a necessidade urgente de políticas consistentes e não apenas respostas pontuais. “Precisamos de mecanismos claros de busca ativa, encaminhamento, monitoramento entre setores e responsabilização compartilhada entre saúde, assistência e justiça. Jovens e adultos em sofrimento psíquico severo não podem ser tratados como casos isolados, mas como indicadores de falhas sociais acumuladas”, diz.
O debate público precisa mudar de foco: a questão não é apenas compreender as ações da pessoa, mas apontar onde falharam as instituições responsáveis por sua proteção. Sem respostas sistêmicas, tragédias anunciadas continuam sendo tratadas como imprevisíveis.
Casos como este funcionam como alerta para reforçar políticas de proteção, integrar de forma efetiva diferentes setores e garantir acompanhamento contínuo. O objetivo é criar um sistema em que pessoas em sofrimento grave não dependam do acaso para receber apoio.
Por Karen Scavacini
Psicóloga, pesquisadora, mestre em Saúde Pública pelo Karolinska Institutet (Suécia), doutora em Psicologia pela USP, fundadora do Instituto Vita Alere, representante do Brasil na International Association for Suicide Prevention (IASP), fundadora da ABEPS
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