Crescimento do congelamento de óvulos no Brasil reflete nova era na saúde feminina
Mulheres jovens lideram a mudança cultural que redefine a maternidade com autonomia e ciência
Nos últimos anos, o congelamento de óvulos deixou de ser uma opção distante ou associada a casos muito específicos e passou a ocupar um lugar central no planejamento de vida de milhares de brasileiras. Como médico que acompanha essa transformação de perto, me chama atenção não apenas o crescimento do procedimento, que registrou aumento de 28% nos últimos quatro anos, segundo dados da Huntington Medicina Reprodutiva, mas, sobretudo, o que esse movimento revela sobre uma nova relação das mulheres com o próprio tempo reprodutivo.
Historicamente, o congelamento era buscado com mais frequência por pacientes próximos dos 38, 39 anos, muitas vezes já enfrentando redução significativa da reserva ovariana ou pensando em adiar a maternidade por motivos profissionais ou pessoais. Hoje, porém, o perfil é outro. Pela primeira vez, vemos mulheres entre 28 e 34 anos liderando esse movimento: elas representavam 21% dos congelamentos em 2020, e passaram para 30,5% em 2024. A faixa etária de 35 a 37 anos continua relevante, com 34,3%, mas o crescimento expressivo entre as mais jovens mostra que algo mudou, e mudou profundamente.
Essa mudança tem pouco a ver com uma busca tardia ou desesperada por preservar a fertilidade. O que observo no consultório é justamente o oposto: as pacientes estão se informando antes, entendendo melhor como funciona o declínio natural da fertilidade e decidindo congelar seus óvulos enquanto ainda estão no período de maior qualidade genética. É um movimento preventivo, racional e, acima de tudo, libertador. Congelar óvulos deixou de ser um gesto de urgência para se tornar parte do planejamento de vida, assim como escolher um método contraceptivo, organizar finanças pessoais ou investir em saúde mental.
Isso não significa que todas as mulheres congelam porque querem adiar a maternidade indefinidamente. Muitas delas expressam um desejo claro de serem mães, mas não agora, e não sob pressão. Querem tempo para amadurecer emocionalmente, para consolidar uma carreira, para encontrar o parceiro certo, para viajar, para cuidar da própria saúde ou simplesmente para viver a vida no próprio ritmo. Outras chegam motivadas por fatores clínicos, como histórico familiar de baixa reserva ovariana, menopausa precoce ou doenças que podem impactar a fertilidade. Em todas essas situações, o congelamento surge não como um “plano B”, mas como uma forma de preservar possibilidades.
Esse crescimento também muda a forma como entendemos a maternidade no país. Por décadas, a sociedade associou fertilidade ao tempo cronológico de maneira quase imutável: havia um “prazo ideal” para engravidar, e qualquer desvio dele era visto com apreensão. Hoje, a própria ciência nos permite relativizar essa lógica. Quando uma mulher congela óvulos antes dos 35 anos, ela preserva material genético com maior potencial reprodutivo, o que amplia significativamente suas chances de uma gestação futura saudável, seja aos 35, aos 40 ou depois disso.
Do ponto de vista técnico, a evolução da vitrificação, o método de congelamento ultrarrápido, trouxe segurança e previsibilidade ao processo. Ao serem armazenados a -196°C, os óvulos permanecem preservados com potencial praticamente inalterado, e isso dá aos pacientes uma sensação real de controle sobre algo que sempre pareceu incontrolável: o tempo.
O impacto emocional dessa mudança é evidente. Mulheres que chegam aos 40 com óvulos congelados em idade mais fértil geralmente vivem a maternidade com menos ansiedade, mais autonomia e mais clareza. Não se trata de afastar a importância do relógio biológico, ele existe, continua sendo uma variável e sempre será um ponto central da nossa prática médica. Mas se trata de oferecer às mulheres novas ferramentas para dialogar com esse relógio de forma mais justa.
Quando analisamos os dados de crescimento do congelamento no Brasil, percebemos que estamos diante de uma mudança cultural tão importante quanto científica. O procedimento está se tornando parte do vocabulário de planejamento reprodutivo, especialmente entre mulheres jovens, instruídas e conectadas à própria saúde. E essa tendência deve continuar nos próximos anos, com cada vez mais pacientes buscando informações e exames de reserva ovariana com antecedência.
No futuro, acredito que veremos o congelamento de óvulos ocupar o mesmo espaço que hoje ocupam práticas de prevenção que já naturalizamos, como fazer um check-up anual ou realizar exames ginecológicos de rotina. Ele deve deixar de ser visto como uma alternativa para “quem vai deixar para muito tarde” e se tornar uma ferramenta de cuidado integral com a saúde reprodutiva.
A geração que congela agora não é a geração que adia a maternidade. É a geração que planeja, que escolhe, que entende seu corpo e seus limites. E que, principalmente, não quer viver a vida determinada por um cronômetro biológico, mas por suas próprias decisões.
Se o presente nos mostra esse movimento de forma tão clara, o futuro promete algo ainda maior: uma maternidade vivida com mais autonomia, mais conhecimento e menos pressa. E, para mim, esse é um dos avanços mais significativos da medicina reprodutiva contemporânea.
Por Dr. Maurício Chehin
ginecologista e especialista em medicina reprodutiva do Grupo Huntington
Artigo de opinião



