Violência contra a mulher: a urgência de uma escuta psicológica qualificada para romper ciclos de agressão
Como o acolhimento emocional e a informação podem transformar a realidade das vítimas e fortalecer a prevenção
Dados da ONU Mulheres mostram que 1 em cada 3 mulheres já sofreu violência física ou sexual, e o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) registrou 1,6 milhão de atendimentos por violência doméstica em 2023. A violência contra a mulher deixa marcas emocionais profundas, e a escuta psicológica qualificada é essencial para romper o ciclo de controle, humilhação e isolamento.
A agressão ultrapassa os episódios físicos e se manifesta no cotidiano, afetando a forma como a mulher se relaciona consigo mesma e com o ambiente. O medo constante, a vigilância extrema, a dificuldade de tomar decisões e a ruptura do senso de segurança são consequências que exigem compreensão técnica e disponibilidade para a escuta.
Pesquisas internacionais indicam que o ciclo de violência começa muitas vezes por sinais emocionais invisíveis para a própria vítima, como isolamento progressivo, diminuição de vínculos sociais, desqualificação frequente, invasão de privacidade e controle sobre rotinas ou finanças. Reconhecer esses padrões é fundamental, pois a agressão pode se apresentar inicialmente como controle, humilhação ou manipulação, e esses indicadores devem ser vistos como alertas.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que mulheres que vivenciam violência doméstica têm até três vezes mais probabilidade de desenvolver transtornos depressivos e ansiosos. O impacto também atinge o desempenho profissional, as relações familiares e a saúde física, com alterações no sono, apetite e concentração.
Apesar do aumento nos registros, a maioria dos casos ainda não chega aos serviços de proteção. Mais de 70% das brasileiras que sofrem agressões não procuram apoio formal. Isso se deve a fatores como medo de retaliação, dependência financeira, vergonha, falta de informação, descrença na rede de apoio e isolamento provocado pelo agressor. Quando a mulher internaliza a ideia de que não será acolhida ou que a culpa é dela, o risco aumenta. Por isso, é fundamental que profissionais e instituições estejam preparados para oferecer uma escuta técnica, sem julgamento.
O atendimento psicológico exerce papel essencial na reconstrução emocional e no fortalecimento da autonomia da vítima. Não se trata apenas de tratar as consequências, mas de oferecer um ambiente seguro para organizar percepções, compreender riscos e planejar caminhos. O acolhimento psicológico ajuda a mulher a perceber que não está sozinha e que existem alternativas de proteção. É um espaço para nomear o que aconteceu, reorganizar suas referências e recuperar a autonomia abalada pelo ciclo de violência.
Além disso, a psicologia atua como ferramenta de prevenção, auxiliando profissionais de escolas, unidades de saúde, serviços sociais e demais instituições a identificar padrões de vulnerabilidade antes que o quadro se agrave.
Para mulheres em situação de risco, é importante saber onde buscar ajuda, como o Disque 180, delegacias especializadas ou comuns, unidades de pronto atendimento e hospitais, centros de referência de assistência social, além de redes locais de apoio, grupos comunitários e ONGs. Informação clara sobre esses canais é um dos fatores que mais salvam vidas, pois reduz o medo e aumenta a chance de romper o ciclo de violência.
O combate à violência contra a mulher não deve se restringir a datas comemorativas. É necessário ampliar campanhas informativas, promover debates em escolas, oferecer programas de formação para profissionais de saúde e assistência, e implementar políticas de prevenção nos territórios. A violência contra a mulher atravessa famílias, comunidades e gerações, e o enfrentamento precisa ser constante, articulado e informado. Quando a sociedade compreende os sinais e acolhe sem julgamento, abre-se caminho para romper ciclos que se repetem há décadas.
Por Danilo Suassuna
Psicólogo, doutor e pós-doutor em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC Goiás); diretor do Instituto Suassuna; autor de mais de oito livros; presidente do Instituto Brasil Central de Educação e Saúde (IBCES); fundador do Instituto Suassuna; diretor da Editora Suassuna; coordenador da SUA Rádio.
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