Racismo Afetivo e Tecnologia: Um Desafio para a Consciência Negra
Como o racismo estrutural invade as relações amorosas e digitais, e por que a tecnologia pode ser aliada na luta por inclusão e igualdade afetiva
O Dia da Consciência Negra, celebrado em 20 de novembro, é um convite à reflexão sobre os efeitos do racismo na sociedade contemporânea. Mais do que lembrar a história, é um momento para examinar como a desigualdade se reinventa nas relações sociais e afetivas. O racismo vai além das oportunidades de trabalho, renda ou educação e se manifesta até nas esferas mais íntimas, como o amor, o desejo e o reconhecimento. Nos ambientes digitais, que prometem liberdade e diversidade, essa exclusão assume novas formas, reproduzindo antigas hierarquias sob a aparência de neutralidade tecnológica.
As plataformas de relacionamento evidenciam como o racismo estrutural se manifesta nas esferas mais íntimas da vida social. Pesquisas da Universidade de Nova York mostram que mulheres negras recebem menos mensagens, enquanto homens negros também enfrentam altos índices de rejeição. Esses números vão além de preferências pessoais e refletem a reprodução de um imaginário coletivo que associa beleza e valor a traços brancos e eurocentrados. Ao transformar esses padrões em métricas de engajamento e compatibilidade, os aplicativos acabam institucionalizando desigualdades históricas em ambientes que deveriam promover conexões. Dessa forma, o racismo atravessa a experiência digital, redefinindo o acesso ao afeto e determinando quem é percebido como desejável e quem permanece invisível.
A solidão afetiva da mulher negra é uma consequência direta desse processo. Ela surge da forma como os algoritmos reforçam estereótipos já presentes na sociedade, priorizando rostos e corpos que se encaixam no padrão dominante. A exclusão, antes subjetiva, passa a ser quantificada: a rejeição se transforma em dado e a discriminação, em código. No Brasil, uma pesquisa do Instituto Locomotiva revelou que 62% das mulheres negras já sofreram discriminação racial em experiências afetivas, e 47% afirmam que isso afeta diretamente sua autoestima. Esses resultados evidenciam que o preconceito não se limita às relações públicas ou econômicas — ele invade os espaços privados, moldando percepções, vínculos e a própria forma como pessoas negras são vistas e veem a si mesmas.
A tecnologia em si não é o problema; o que importa é como ela é concebida e aplicada. Algoritmos refletem os dados que recebem e, quando esses dados carregam desigualdades sociais, acabam reproduzindo as mesmas distorções. Mas a tecnologia também pode corrigir esses vieses quando projetada com critérios de diversidade e responsabilidade. Iniciativas que incorporam representatividade negra no design de plataformas digitais mostram que é possível transformar padrões de visibilidade e reconhecimento. A presença de pessoas negras na criação de sistemas, na curadoria de conteúdos e na definição de parâmetros de recomendação impacta diretamente a forma como corpos e identidades são percebidos. Usada com consciência, a tecnologia deixa de reproduzir exclusões e passa a ampliar oportunidades de pertencimento e expressão.
Há quem considere que discutir amor e tecnologia no Dia da Consciência Negra seja um tema menor frente a questões como emprego e educação. Esse argumento, no entanto, ignora um ponto central: a exclusão afetiva também é uma forma de negação da humanidade. Amar e ser amado são dimensões essenciais da existência, e negar esse direito é perpetuar desigualdades em outro nível. Falar sobre racismo afetivo é, na prática, falar sobre pertencimento, identidade e dignidade. A consciência negra, portanto, precisa ir além da memória histórica e se tornar um compromisso com o futuro, um futuro no qual amor e tecnologia não reproduzam hierarquias, mas se tornem ferramentas de inclusão, reconhecimento e valorização de todos.
A consciência negra precisa, portanto, expandir seu significado. Ela não deve se limitar a ser memória de luta, mas se tornar um projeto de futuro. Um futuro em que o amor não seja privilégio e a tecnologia não reforce exclusões. Um país verdadeiramente antirracista será aquele capaz de garantir não apenas igualdade de oportunidades, mas também igualdade de afetos, porque a liberdade plena só existe quando se pode amar e ser amado sem que a cor da pele determine o destino.
Por Fillipe Dornelas
bacharel em Sistemas de Informação, especialista em Inteligência Artificial, CEO do Denga Love
Artigo de opinião



