O peso invisível do cuidado: o esgotamento emocional de quem cuida de todos
Burnout entre cuidadores familiares e profissionais cresce com o envelhecimento da população e a sobrecarga silenciosa
O esgotamento mental ganhou um novo rosto. Se antes o burnout era associado ao trabalho corporativo, hoje ele se manifesta em casa, entre pessoas que dedicam seus dias — e muitas vezes suas noites — ao cuidado de alguém. São filhas, esposas, mães, maridos e cuidadores que assumem a responsabilidade por idosos, doentes crônicos ou pessoas com deficiência. Gente que cuida de tudo, mas raramente é cuidada.
Segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), as mulheres realizam quase 80% de todo o trabalho de cuidado não remunerado no país. O Brasil tem mais de 7 milhões de pessoas com algum grau de dependência funcional, e a maioria é assistida por familiares — especialmente mulheres entre 35 e 60 anos. A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que cuidadores informais têm 60% mais chances de desenvolver ansiedade ou depressão em comparação com a população geral.
Esse tipo de exaustão não acontece de um dia para o outro. O burnout do cuidador nasce no acúmulo: na falta de descanso, na culpa por se irritar, na sensação de não poder parar. Muitas pessoas cuidam movidas pelo amor, mas esquecem que o amor também precisa de limites. O corpo e a mente cobram essa conta.
O desgaste é ainda mais intenso quando o vínculo é familiar. Quando o cuidador é o filho, o marido ou a esposa, a relação de afeto se mistura com o dever. Surge a culpa por sentir cansaço — e isso impede o pedido de ajuda. A exaustão passa a ser vivida em silêncio, como se fosse uma falha moral.
Os sinais de esgotamento costumam ser sutis: cansaço extremo, lapsos de memória, irritabilidade, insônia, dores de cabeça e sensação de incapacidade.
O cuidador vive em estado de alerta permanente. Ele dorme pensando no outro e acorda com medo de que algo aconteça. Essa vigilância contínua drena energia emocional, e sem espaço para o autocuidado, o colapso é questão de tempo.
Um levantamento da Fiocruz (2023) com cuidadores de pessoas com Alzheimer mostrou que quase 70% apresentavam sintomas de depressão e exaustão emocional. Quarenta por cento relataram também problemas físicos ligados ao estresse crônico, como hipertensão, gastrite e enxaqueca.
É uma situação invisível porque o cuidado ainda é romantizado. A sociedade aplaude quem se dedica ao outro, mas raramente oferece estrutura para dividir esse peso.
O impacto não é apenas emocional. Um cuidador esgotado erra medicação, se irrita com mais facilidade e tende ao isolamento social.
Isso fragiliza o vínculo com a pessoa cuidada e retroalimenta o ciclo da culpa. O que começou como amor vira uma rotina de sobrevivência.
A saída é reconhecer que cuidar é trabalho — e que todo trabalho precisa de pausas, apoio e reconhecimento.
Dividir tarefas, combinar revezamentos e criar espaços de respiro são atitudes essenciais. Pedir ajuda não é sinal de fraqueza, é uma forma de preservar o vínculo e a própria saúde mental.
É fundamental que políticas públicas e programas de saúde incluam o cuidador na rede de atenção psicossocial.
Precisamos parar de enxergar o cuidador como extensão do paciente. Ele também precisa ser olhado, escutado e acolhido. Cuidar de quem cuida é investimento social.
Enquanto o país envelhece e as famílias assumem papéis cada vez mais complexos, é importante lembrar que reconhecer o cansaço não é ingratidão.
Cuidar é um ato de amor, mas até o amor exige descanso.
Por Roberta Passos
Psicóloga Clínica e Psicopedagoga, especialista em Neuropsicologia pelo IPQ-FMUSP, com mais de 14 anos de atuação.
Artigo de opinião



