Desafios e Estratégias para Profissionais LGBTI+ Construírem Carreiras Autênticas
Como preconceitos e expectativas moldam a leitura dos comportamentos LGBTI+ no ambiente corporativo e o caminho para uma trajetória profissional alinhada à identidade
Construir uma carreira autêntica é um processo de escolhas. Nossas atitudes, grandes ou pequenas, são como sementes que lançamos todos os dias: algumas germinam em campos férteis, outras se perdem em terrenos áridos, nos quais só nos desgastamos na tentativa de sobreviver. Para nós, pessoas LGBTI+, esse movimento é ainda mais complexo porque não basta apenas escolhermos nossas sementes; precisamos lidar com o solo em que elas caem, que muitas vezes está contaminado por preconceitos, desconfianças e expectativas externas. É como se estivéssemos sempre equilibrando a coragem de ser quem somos com a estratégia de nos proteger de olhares enviesados.
Na física, Isaac Newton formulou uma lei que nos ajuda muito a pensar sobre carreira: a lei de ação e reação. Ela diz que toda vez que um corpo exerce uma força sobre outro, recebe de volta uma força de mesma intensidade, mas em sentido contrário. Em termos simples: tudo o que fazemos provoca uma resposta do mundo ao nosso redor. Se empurramos uma porta, ela nos empurra de volta. Se lançarmos uma pedra na água, as ondas se espalham a partir daquele ponto.
Na vida profissional, acontece algo parecido. Nossas escolhas, atitudes e comportamentos geram consequências. Cada vez que nos posicionamos, entregamos um trabalho ou reagimos a uma situação, provocamos uma resposta no ambiente em que estamos. Mas aqui existe um detalhe cruel: nós, pessoas LGBTI+, muitas vezes não somos julgadas pelo que fazemos, mas pela forma como reagimos às situações de opressão. Uma mesma ação que seria vista como firmeza em outra pessoa pode ser lida como agressividade em nós. O silêncio que, em outro contexto, seria entendido como prudência, pode ser lido como falta de engajamento quando vem de alguém que foge ao padrão esperado.
Daniel Kahneman, em Rápido e Devagar, explica como nosso pensamento intuitivo – aquele que age de forma automática e veloz – frequentemente se apoia em atalhos para julgar situações, as chamadas heurísticas. Entre elas, a da disponibilidade nos faz recorrer às imagens mais fáceis de lembrar. Quando alguém já tem estereótipos de pessoas LGBTI+ à mão, é a partir deles que julga nossa postura, e não a partir da realidade do que fizemos. O problema é que esse julgamento não apenas distorce nossa experiência como também nos reduz: em vez de sermos vistas como profissionais singulares, somos tratadas como projeções de preconceitos.
Esse ciclo é destrutivo porque limita nossa potência e nos coloca num jogo desigual. Muitas vezes, a expectativa criada sobre nós, de que devemos provar competência o tempo inteiro, de que precisamos caber em padrões inventados por quem teve outros acessos e oportunidades, já é, por si só, uma forma de violência. É nesse ponto que adoece a carreira: quando tentamos repetir fórmulas que nunca foram feitas para nós. Em vez de abrirmos caminhos próprios, acabamos gastando energia para imitar percursos que não nos pertencem.
Mas nossos comportamentos também podem nos levar para campos férteis. Quando entendemos os mecanismos que influenciam nossas escolhas, conseguimos construir percursos mais saudáveis e sustentáveis. Thaler e Sunstein chamam isso de arquitetura das escolhas: pequenas mudanças na forma como decidimos podem abrir portas para trajetórias mais alinhadas com quem somos. É quando passamos a perceber o que nos fortalece, o que nos sabota e o que precisamos experimentar de novo.
Esse é o momento de nos perguntarmos com honestidade: o que já fazemos que nos sustenta e nos conecta a uma rede de apoio? O que estamos repetindo que nos afasta do bem-estar ou nos obriga a silenciar a identidade? Que talentos, contatos ou espaços de confiança ainda subestimamos e poderíamos valorizar mais? O que podemos introduzir de novo em nossa prática profissional para sermos mais visíveis e autênticas? E o que precisamos reduzir ou abandonar, porque suga energia e não respeita quem somos? Essas perguntas parecem simples, mas têm a força de reorientar a bússola da carreira.
Greg McKeown, em Essencialismo, nos lembra que uma vida – e uma carreira – só se sustenta quando conseguimos fazer escolhas que eliminam o excesso e preservam o que realmente importa. Isso parece simples, mas é profundamente transformador quando pensamos em trajetórias LGBTI+. Muitas vezes nos vemos sobrecarregadas porque acreditamos que precisamos aceitar tudo: todos os convites, todas as demandas, todas as tarefas, como se dizer “sim” fosse a única forma de provar que somos capazes. Mas viver assim é se perder na dispersão. O essencialismo nos convida a aprender a dizer não, não como recusa, mas como afirmação de um foco. Dizer não ao que nos consome é dizer sim ao que nos sustenta. E, no mesmo movimento, desistir de tudo aquilo que nos faz querer desistir da vida é também uma forma de permanecer alinhada aos nossos propósitos mais profundos.
Essa reflexão se conecta ao que Stephen Covey traz em Os 7 hábitos das pessoas altamente eficazes. Covey não fala apenas de eficiência ou de produtividade, mas de coerência. Ele nos lembra que não adianta correr mais rápido se estamos indo na direção errada. O verdadeiro impacto vem quando nossas ações estão alinhadas aos nossos valores. E esse é um ponto crucial: para nós, pessoas LGBTI+, alinhar carreira e valores é também um ato de resistência. Significa não aceitar papéis que nos violentam, não repetir padrões que nos diminuem, não buscar reconhecimento apenas por atender expectativas externas. É colocar nossos princípios no centro e organizar a vida profissional ao redor deles – em vez de fazer o contrário.
Nossos comportamentos, nesse sentido, nunca são neutros. Cada escolha de onde investir tempo, energia e presença nos aproxima de campos férteis ou nos empurra para territórios áridos. A pergunta não é apenas “como ser mais eficiente”, mas “quais sementes estou regando?”. Porque se aceitamos estereótipos e fórmulas prontas que não nos reconhecem, alimentamos um ciclo de esgotamento. Mas, quando escolhemos com consciência, fortalecemos a possibilidade de uma carreira que floresce com autenticidade e sentido.
Sustentar uma carreira autêntica é, antes de tudo, um exercício de coragem e cuidado. Não se trata apenas de resistir ao que o mundo projeta sobre nós, mas de criar práticas diárias que protejam nossa energia e ampliem nosso alcance. É aprender a ocupar o espaço com inteireza, reconhecendo que nossos caminhos podem e devem ser diferentes dos que vieram antes. Porque, no fim, uma carreira sustentável não é a que repete padrões, mas a que floresce em campos férteis, com raízes firmes no que somos e no que acreditamos.
Por Judá Nunes
Inovadora social, licenciada em Teatro pela Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia, Especialista em Educação para Inclusão da Diversidade, reconhecida como LinkedIn Top Voices Orgulho, educadora, gestora de projetos, consultora, escritora, palestrante, mentora, atua com educação transformativa desde 2016 e desenvolve metodologia para formação de executivos com foco em impacto social
Artigo de opinião



