Reposição Hormonal na Menopausa: Ciência, Medo e a Janela de Oportunidade
Após duas décadas de controvérsias, a terapia hormonal é reavaliada pela ciência, revelando seu papel essencial na saúde neurológica e geral da mulher na menopausa.
Dor nas articulações, mudanças de humor, ondas de calor, suores noturnos, insônia, metabolismo lento, esquecimento das coisas… Esses são sintomas comuns no climatério, fase de transição para a menopausa, e que levam muitas mulheres a pensar: “tem algo errado comigo, não estou me reconhecendo”. A verdade é que há, há décadas, um erro histórico na forma como a medicina, a mídia e a sociedade lidaram com esse momento da vida feminina.
Em 2002, um estudo americano de grande repercussão, o Women’s Health Initiative (WHI), associou a reposição hormonal ao risco aumentado de câncer de mama, levando milhões de mulheres em todo o mundo a interromperem o tratamento. O problema é que a metodologia do estudo e o perfil não homogêneo das pacientes avaliadas não refletiam a realidade da maioria das mulheres na fase inicial da menopausa.
As participantes tinham, em média, 63 anos, muito além da idade média da menopausa, que é por volta dos 51. Isso distorceu os resultados e, infelizmente, a consequência foi o medo disseminado e o abandono de uma terapia que poderia proteger o cérebro, ossos, o coração e a qualidade de vida.
Mais de vinte anos depois, a própria FDA (agência reguladora dos EUA) reconheceu o equívoco e anunciou, neste ano, a retirada do alerta de “tarja preta” das embalagens de hormônios usados na terapia da menopausa. Segundo o órgão, trata-se de uma “ação histórica” para restaurar o padrão ouro da ciência na saúde da mulher.
Essa reavaliação científica confirma o que a prática clínica e as evidências recentes já indicavam: a reposição hormonal, feita no momento certo, pela via adequada e com acompanhamento médico, não é vilã, mas sim uma aliada.
Muita gente ainda acredita que a menopausa é apenas uma questão ginecológica, já que os ovários interrompem a produção dos hormônios. Mas o cérebro é riquíssimo em receptores para o estrogênio, especialmente em áreas que controlam memória, sono, humor e temperatura corporal. A menopausa também é um processo neurológico.
Estudos da neurocientista Lisa Mosconi, da Universidade de Cornell, têm mostrado justamente essa relação entre o estrogênio e o cérebro feminino. Durante a transição menopausal, observamos uma espécie de “fome de estrogênio” no cérebro. Os receptores aumentam de densidade para tentar compensar a queda hormonal, o que ajuda a entender por que tantas mulheres relatam sintomas cognitivos, como lapsos de memória e dificuldade de concentração.
Essa descoberta reforça o conceito da “janela de oportunidade”: o período dos primeiros dez anos após o início da menopausa é o mais indicado para iniciar a terapia hormonal, tanto para alívio dos sintomas quanto para prevenção de demências e declínio cognitivo.
Já observamos que, em cérebros de mulheres que não fizeram reposição hormonal e estão há mais tempo na menopausa, ocorre um verdadeiro “shut down” desses receptores, eles se fecham por falta de estímulo. Por isso, tratar no momento certo faz diferença não só para o bem-estar imediato, mas também para a saúde a longo prazo.
Ainda assim, entre 50% e 85% das mulheres relatam que seus sintomas nunca foram adequadamente tratados, segundo o documentário médico The M Factor Menopause. Esse dado reflete uma lacuna de décadas de silêncio, medo e desinformação.
Precisamos devolver à mulher o direito de viver a menopausa com dignidade e ciência, e não com medo. Informação é o que transforma essa fase em uma oportunidade de saúde e longevidade.
Por Alessandra Rascovski
Endocrinologista, diretora médica da clínica Atma Soma, autora do livro “AtmaSoma – O equilíbrio entre a ciência e o prazer para viver mais e melhor” (EV Publicações)
Artigo de opinião



