Marketing brasileiro: a era da relevância cultural e da persuasão autêntica
Como emoção, credibilidade e lógica redefinem a conexão entre marcas e consumidores no Brasil contemporâneo
O marketing brasileiro entrou em uma nova fase. O consumidor atual é mais consciente, digitalmente fluente e intolerante a discursos vazios. A era do volume de mídia está cedendo espaço à era da relevância e, nela, não há lugar para marcas que apenas repetem fórmulas. As campanhas de maior impacto são verdadeiras aulas de estratégia, combinando uma compreensão profunda do comportamento humano, o uso inteligente de dados e a aplicação precisa dos pilares da persuasão definidos por Aristóteles: Ethos, Pathos e Logos. Essa tríade, tão antiga quanto a própria comunicação, nunca foi tão atual.
O problema é que grande parte do marketing brasileiro ainda se perde entre a busca por performance e a incapacidade de gerar significado. O foco exagerado em métricas de vaidade, cliques, impressões, alcance, faz muitas marcas confundirem barulho com relevância. O público, por sua vez, tornou-se imune ao excesso de estímulos. A atenção, hoje, é conquistada com autenticidade, emoção e propósito. É o que mostra a evolução das campanhas nacionais recentes, que transformaram o marketing em um campo de diálogo cultural.
Um dos caminhos para entender essa transformação é recorrer aos três pilares da persuasão definidos por Aristóteles: ethos, pathos e logos. O ethos, que representa a credibilidade, é a confiança que a marca transmite por meio de suas ações e coerência entre discurso e prática. O pathos, ligado à emoção, é a capacidade de gerar sentimentos como empatia, alegria, humor ou nostalgia, criando vínculos que tornam a mensagem memorável. Já o logos, que simboliza a lógica, está na argumentação racional, no uso de dados e fatos que mostram claramente por que a escolha de uma marca faz sentido.
O Itaú foi pioneiro nesse movimento com “Feito com Você” (2021), uma campanha que sintetiza Ethos e Pathos de forma exemplar. Ao unir Fernanda Montenegro e a pequena Alice para falar sobre respeito, o banco traduziu um valor humano universal em uma mensagem emocionalmente poderosa. O apelo intergeracional e o tom de esperança geraram identificação em um país marcado pela polarização. A credibilidade da atriz reforçou o Ethos da marca, enquanto o Pathos despertou empatia e emoção. O resultado foi uma campanha que transcendeu a publicidade e virou símbolo de posicionamento responsável.
Dois anos depois, a Volkswagen reforçou o poder da nostalgia com “Gerações” (2023), um dos maiores marcos da propaganda recente. O uso da inteligência artificial para recriar o dueto entre Elis Regina e Maria Rita foi mais do que um feito técnico: foi um gesto simbólico que conectou passado e futuro. O Pathos emergiu na emoção coletiva de ver mãe e filha “reunidas”, enquanto o Logos se manifestou na coerência estratégica, o antigo abrindo caminho para o novo. A Volkswagen traduziu sua história em inovação, mostrando que tradição e tecnologia podem coexistir com propósito.
Já o Burger King levou o Pathos e o Logos ao território do humor com o “Calvo Drive-Thru” (2024). O que parecia apenas uma piada, um Whopper grátis para pessoas com um tipo específico de calvície, tornou-se uma aula de timing e leitura cultural. A ação capturou a linguagem dos memes e a irreverência da internet brasileira, gerando milhões em mídia espontânea. Por trás da brincadeira, havia lógica e precisão: uma campanha de baixíssimo custo que entregou engajamento massivo e fortaleceu o Ethos do BK como uma marca autêntica, jovem e corajosa.
Esses exemplos mostram que o futuro do marketing pertence à relevância cultural. O consumidor brasileiro não quer ser impactado, quer ser compreendido. Segundo estudo da Deloitte, 62% dos consumidores preferem marcas que oferecem experiências personalizadas e culturalmente relevantes, mostrando que a atenção do público hoje é conquistada pela pertinência da mensagem e não pela insistência publicitária.
É verdade que alguns podem argumentar que emoção e credibilidade sozinhas já são suficientes para construir grandes campanhas. Mas sem lógica e dados claros, o risco é criar peças memoráveis que não se traduzem em resultados. O contrário também vale: campanhas baseadas apenas em dados e racionalidade dificilmente tocam o coração do consumidor. A combinação equilibrada é o que gera conexão real.
O futuro do marketing no Brasil será definido pela capacidade de unir esses três pilares de forma consistente. Campanhas que souberem equilibrar emoção, credibilidade e lógica não apenas venderão produtos, mas também farão parte da cultura, criando legados que atravessam o tempo. A lição é clara: não se conquista relevância gritando mais alto, mas entendendo profundamente quem é o consumidor e o que ele valoriza.
Por André Carvalho
CEO e fundador da Tempus Inova, com mais de 20 anos de experiência em Comunicação, Marketing e P&D em empresas multinacionais
Artigo de opinião



