Desafio da Distribuição Médica no Brasil: Formar é Apenas o Primeiro Passo

Apesar do aumento no número de médicos, a desigualdade regional compromete o acesso à saúde e exige políticas eficazes de fixação profissional

Mesmo com o crescimento constante no número de profissionais médicos no Brasil, a distribuição desigual desses profissionais continua comprometendo o acesso à saúde em diversas regiões do país. É o que alerta o cardiologista e presidente da Associação de Hospitais do Estado de São Paulo (AHOSP), Dr. Anis Mitri.

De acordo com o estudo Demografia Médica no Brasil 2025, o país conta atualmente com uma média de 3,08 médicos por 1.000 habitantes, representando um aumento em relação a anos anteriores e um índice considerado adequado pelos padrões internacionais. Contudo, as desigualdades regionais continuam marcantes: na Região Norte, a razão é de apenas 1,70 médico por 1.000 habitantes, enquanto no Sudeste o índice chega a 3,77 e no Centro-Oeste a 3,44. Estados como o Maranhão (1,27) e o Pará (1,37) estão entre os que apresentam menor densidade médica. O relatório também mostra que municípios pequenos — especialmente aqueles com menos de 20 mil habitantes — enfrentam grave escassez de profissionais, com menos de 1 médico por 1.000 habitantes, revelando uma distribuição ainda desigual e uma carência persistente na Atenção Primária à Saúde.

“O grande gargalo não é apenas quantos médicos formamos, é onde estes profissionais estão. Formamos muitos médicos, mas não conseguimos mantê-los onde mais se precisa deles”, ressalta Mitri. O especialista destaca que as grandes capitais concentram mais de 50% dos médicos do país, enquanto o interior e as periferias seguem com escassez crônica de profissionais.

Os dados mostram que, embora o número de médicos no Brasil tenha aumentado entre 2010 e 2025, a interiorização da medicina ainda avança lentamente. Muitos municípios enfrentam obstáculos para contratar e manter médicos, como salários insuficientes, falta de infraestrutura, insegurança e escassas oportunidades de crescimento profissional. “Não basta abrir mais vagas em faculdades. É preciso oferecer remuneração justa, infraestrutura adequada, segurança e oportunidades de desenvolvimento profissional para que o médico escolha permanecer onde é mais necessário”, defende o presidente da AHOSP.

A desigualdade territorial também impacta a qualidade da assistência e o tempo de espera por consultas. Mais da metade dos 576 mil médicos brasileiros está concentrada na região Sudeste, enquanto áreas remotas da Amazônia Legal, do Nordeste e do Centro-Oeste sofrem com a ausência de especialistas em pediatria, ginecologia e psiquiatria.

Para o presidente da AHOSP, é necessário que o país adote políticas de fixação mais eficazes, com programas de incentivo à permanência e fortalecimento da rede regional de saúde. Além disso, ele ressalta que a qualidade da formação médica deve ser acompanhada por medidas que valorizem a carreira e garantam condições dignas de trabalho. “Um médico bem formado, mas desmotivado e mal remunerado, dificilmente ficará no interior ou em regiões vulneráveis. A fixação passa por reconhecimento e condições dignas de trabalho”, enfatiza.

Mitri reforça que o Brasil precisa de um projeto nacional de valorização da medicina, que una educação, gestão pública e políticas de incentivo. “Falta médico, sim, e falta há muito tempo. Mas o que falta ainda mais é vontade política para transformar a profissão médica em uma escolha que faça sentido profissional, econômico e humano”, conclui.

A

Por Anis Mitri

cardiologista, presidente da Associação de Hospitais do Estado de São Paulo (AHOSP)

Artigo de opinião

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