Educação Antirracista: Um Compromisso Permanente Além do Mês da Consciência Negra
Por que práticas superficiais nas escolas reforçam estereótipos e como o letramento racial deve ser incorporado ao cotidiano escolar
“Educação antirracista não é um evento, é um compromisso permanente.” Com essa afirmação, provocamos uma reflexão necessária sobre o papel da escola durante o Mês da Consciência Negra. Infelizmente, ainda é comum a repetição de práticas ultrapassadas e superficiais que, em vez de promoverem a valorização da cultura afro-brasileira, acabam reforçando estereótipos raciais e distorcendo o sentido da data.
Um exemplo recente ilustra bem o problema: em uma escola do Rio de Janeiro, educadores colaram palha de aço em um cartaz para representar o cabelo de pessoas negras durante uma atividade alusiva ao 20 de novembro. A intenção era homenagear, mas o resultado acabou reforçando um estigma histórico.
Além desse exemplo de colagem de “cabelos afro”, é comum que escolas adotem, ano após ano, atividades prontas e descontextualizadas, como: murais de “pessoas negras” sem rosto; apresentações com músicas que remetem ao passado escravocrata, sem contextualização histórica; encenações de “quebra de correntes” ligadas à abolição, sem discussão sobre o processo escravocrata e suas consequências; e histórias infantis com narrativas e ilustrações estereotipadas.
Essas práticas reduzem a pauta racial a um ritual simbólico e esvaziado de reflexão, desconsiderando a complexidade das relações étnico-raciais e o papel formador da escola.
O letramento racial, que é o movimento de estudos sobre as relações étnico-raciais, é de suma importância para o desenvolvimento de uma prática antirracista contínua e contextualizada, evitando assim estereótipos acerca da história e cultura afro-brasileira e trabalhos pontuais, apenas em novembro.
A educação antirracista não é um projeto temático, mas uma prática pedagógica permanente, que atravessa o currículo, as relações e o cotidiano escolar. Precisamos romper com a pedagogia do evento e buscar formações para trabalhar as relações étnico-raciais o ano inteiro, assim como determina a Lei 10.639/03, que trata da obrigatoriedade do ensino de história e cultura afro-brasileira e africana em todo o currículo escolar, abrangendo aspectos sociais, econômicos e políticos.
Proponho que o letramento racial seja incorporado à rotina pedagógica como eixo transversal, orientando práticas de leitura, arte, história e convivência. O objetivo é transformar o 20 de novembro em um ponto de reflexão dentro de um processo contínuo, e não em uma data isolada de homenagens.
Não se trata de celebrar a consciência negra apenas em novembro, mas de formar consciência antirracista o ano inteiro. Isso se faz com intencionalidade pedagógica, currículo diverso e formação constante.
Somente com esse compromisso permanente poderemos construir uma educação que realmente contribua para a equidade racial e para a construção de uma sociedade mais justa e inclusiva.
Por Luiza Mandela Silva Soares
CEO da Mandela Consultoria Antirracista, pedagoga, doutoranda em Educação (UERJ), mestre em Relações Étnico-Raciais, escritora, palestrante, idealizadora do Curso Letramento Racial, formadora da Escola de Governo de Campinas, criadora do podcast Mandela Pod
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