Proteção Digital da Infância: Desafios e Avanços do ECA Digital no Brasil

Como a nova legislação busca proteger crianças e adolescentes no ambiente online, mas ainda enfrenta obstáculos práticos e institucionais

A sanção do chamado ECA Digital inaugura uma nova etapa para a proteção de crianças e adolescentes no Brasil. Não se trata de uma ruptura com o que já existia, mas de uma continuidade e atualização necessária diante da realidade digital que molda a vida dos jovens hoje. Mas é preciso ter clareza de que leis não nascem isoladas.

O ECA Digital se articula com o Código de Defesa do Consumidor, o próprio Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), o Marco Civil da Internet e outras normas correlatas. Todas essas normas dialogam entre si, formando um arcabouço jurídico que se adapta ao cotidiano e às transformações da sociedade.

Esse caráter de integração é fundamental. Seria inviável escrever uma legislação que antecipasse cada detalhe das práticas digitais ou das novas formas de exploração comercial que surgem a cada dia. O que faz sentido é redigir dispositivos abrangentes, capazes de orientar a aplicação da lei em diferentes contextos. A adoção de uma ferramenta flexível, mas com o princípio claro de proteger crianças e adolescentes contra abusos, exploração e riscos relacionados ao uso de tecnologia é, inegavelmente, um avanço.

Até aqui, a fiscalização sobre influenciadores dependia de denúncias encaminhadas ao Conar ou ao Ministério Público, e a atuação no ambiente digital era limitada. A previsão de uma agência reguladora específica, criando uma estrutura dedicada ao monitoramento contínuo, fará com que as celebridades digitais redobrem os cuidados com a publicidade e com a forma como interagem com o público jovem.

Também se impõem novas responsabilidades às plataformas digitais. Não basta mais alegar neutralidade ou se escudar no argumento de que são apenas intermediárias. O ECA Digital exige que os provedores de aplicação façam gestão de riscos, avaliem o conteúdo compartilhado e confirmem a adequação à faixa etária.

O desafio prático é imenso: como validar a idade dos usuários se, hoje, muitas crianças criam contas com dados falsos ou com a ajuda dos próprios pais? Essa fragilidade não pode servir de justificativa para o descumprimento da lei, mas mostra que a eficácia da regulação dependerá de soluções tecnológicas combinadas com maior conscientização das famílias.

A lei determina mecanismos de aferição de idade, mas ao mesmo tempo impõe restrições ao tratamento de dados sensíveis. Armazenar documentos de milhões de usuários pode criar bancos de dados vulneráveis, expostos a vazamentos. Além disso, é inevitável o conflito com legislações internacionais, já que muitas plataformas operam globalmente.

No caso brasileiro, a legislação já previa mecanismos de proteção, mas até hoje a atuação da ANPD (Autoridade Nacional de Proteção de Dados) foi tímida, com pouca aplicação de sanções. O ECA Digital busca corrigir essa lacuna ao prever multas que variam de R$ 1 mil a R$ 50 milhões, bem como sanções administrativas e até criminais. A ideia é sinalizar que não haverá espaço para a negligência quando se trata de proteger a infância.

Mesmo sem ainda ter o desenho claro, o papel da ANPD como agência reguladora ganha destaque e representa uma mudança institucional que traz mais autonomia, mais poder de fiscalização e maior capacidade de impor penalidades. Quem sabe assim, é possível atender a rápida evolução das tecnologias digitais e os impactos sobre crianças e adolescentes.

Em meio a tantos avanços e desafios, o que não se pode perder de vista é a essência da legislação: preservar a confiança da sociedade de que crianças e adolescentes estarão mais protegidos no ambiente digital. A lei não pode se tornar um documento esquecido, distante da realidade. Precisa ser aplicada de forma efetiva, interpretada em harmonia com outras normas e, sobretudo, reconhecida como válida e necessária.

As regras que envolvem a proteção de dados e o uso seguro da tecnologia por crianças ainda são desconhecidas por grande parte da população e o ECA Digital não resolverá tudo, mas traz um marco simbólico e prático: afirma que a infância é prioridade também no mundo online, e que a inovação precisa caminhar lado a lado com a ética.

A adaptação será desafiadora, tanto para criadores de conteúdo quanto para grandes plataformas. Mas o custo de ignorar essa pauta seria muito maior: comprometer o futuro de uma geração inteira exposta a riscos que podem ser evitados. Poder público, sociedade civil, empresas e famílias precisam atuar em sinergia para garantir que a internet seja um espaço de aprendizado, lazer e convivência saudável para crianças e adolescentes.

M

Por Maria Eduarda Amaral

advogada especialista em Direito Digital e Propriedade Intelectual, membro da ABPI (Associação Brasileira de Propriedade Intelectual), graduada em Direito pela Escola Superior Dom Helder Câmara, pós-graduada em Propriedade Intelectual pelo IBMEC-BH, especialista em Gestão Jurídica e Proteção de Dados Pessoais pelo IBMEC-BH

Artigo de opinião

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