Apaixonar-se nos Tempos Modernos: Entre a Paixão Adolescente e os Jogos Adultos
Uma reflexão psicanalítica sobre os desafios e as nuances do amor na vida contemporânea
O quarto volume da coleção Café com Freud e Lacan, intitulado “Amor e sexualidade, questões atuais de relacionamento e os efeitos na saúde mental”, aborda a paixão como um dos seus temas centrais.
Segundo a pesquisa Love Life Satisfaction (Satisfação com a vida amorosa), divulgada em 2025 pela Ipsos, os brasileiros são os menos satisfeitos com a vida amorosa entre os países latino-americanos, como México, Chile, Peru e Argentina.
“O coração saindo pela boca, a ansiedade de ver e receber um recado ou telefonema, a perda da fome, um olhar ou um sorriso e o indivíduo se sentir fora do ar. Este efeito não tem a ver somente com a paixão, mas com o estado de Real, conceito da psicanálise criado por Jacques Lacan (1901-1981). O efeito de Real está diretamente relacionado com o novo, o que não tem representação, o que ainda não tem nome”, explica a psicanalista.
Na adolescência, quando sentimos algo especial por alguém, todos os sentidos são abalados. Isso ocorre primeiro por fatores biológicos, como hormônios juvenis e forte adrenalina, e depois porque tudo é novidade. O sujeito nunca lidou com essa questão antes: o primeiro abraço com segundas intenções, pegar na mão, os beijos e encontros, as declarações amorosas. Quando vem um elogio, uma possibilidade de romance, um olhar diferente, é como entrar em um outro mundo — o mundo do adulto.
É comum que adultos relatem gostar da pessoa com quem estão saindo, mas afirmem não estar apaixonados. Quando questionados sobre como percebem isso, geralmente se referem à paixão da adolescência. No entanto, esse referencial é ineficaz, pois o estado de Real faz tudo parecer enorme, diferente, toma outra dimensão. Esse padrão idealizado acaba prejudicando muitos romances atuais.
Muitas pessoas terminam relacionamentos sérios alegando não sentir as “borboletas no estômago” e, com o tempo, sentem saudades e percebem que gostavam mais da relação do que imaginavam. Isso ocorre porque permaneciam presos a um padrão imaginário e fantasioso das paixões adolescentes.
Outro aspecto observado são os romances tórridos que alguns adultos vivem, como encontros com pessoas casadas ou relacionamentos proibidos, como namorar colegas de trabalho quando isso não é permitido. Esses encontros furtivos, cheios de expectativa, ansiedade e adrenalina, são frequentemente confundidos com paixão.
Há também jogos de sedução, espera e sofrimento, como provocar ciúmes, atrasar encontros, deixar o outro esperando sem explicações — comportamentos que alguns interpretam como sinais de paixão. Esses jogos mexem com o emocional e o fisiológico do ser humano. Para que a relação continue, algum afeto mais forte geralmente está presente, mas frequentemente outras questões emocionais, como carência, narcisismo e masoquismo, também estão em jogo.
Muitas vezes, esses romances são provocados por sedutores que dominam a arte da conquista, sabem o que o outro quer ouvir e se divertem com o jogo da expectativa e do domínio emocional. As emoções despertadas por cantadas, convites e flertes podem distrair a pessoa de outras atividades importantes, como estudo, trabalho e lazer.
Porém, nem sempre esse tipo de relação é saudável. Pode gerar ansiedade, insônia, perda de peso e até o término de relacionamentos estáveis, sem que o romance avance além da fase inicial. É comum que o jogo permaneça exatamente porque um dos envolvidos deseja apenas essa primeira etapa, o que traz decepção, tristeza e mágoas ao parceiro.
É fundamental priorizar relacionamentos saudáveis e apaixonados, evitando jogos de sedução baratos e expectativas adolescentes.
Mesmo após anos de relacionamento, é possível estar apaixonado: um olhar, o modo generoso de cuidar do outro, programas e interesses em comum. Sem os arroubos da adolescência nem as paixões doentias, o amor pode ir muito além da amizade e do companheirismo, desde que seja bem cultivado ao longo da vida.
Por Fabiana Ratti
Psicóloga formada pela PUC-SP, mestre em Psicologia Clínica pela PUC-SP, psicanalista com formação pelo IPP – Instituto de Pesquisa em Psicanálise, autora de livros e coleções sobre psicanálise, analista, escritora, professora, palestrante, supervisora clínica, com mais de 25 anos de experiência, diretora da Clínica de Psicanálise Unbewusste e da Editora Unbewusste Ltda.
Artigo de opinião



