Retatrutida: a nova promessa antiobesidade que exige cautela e rigor científico

Apesar dos resultados promissores, o uso da retatrutida ainda é experimental e seu consumo fora dos protocolos médicos representa riscos significativos

Nomes como Ozempic, Saxenda e Mounjaro têm dominado o debate sobre medicamentos para emagrecimento. Esses fármacos — com princípios ativos como liraglutida, semaglutida e tirzepatida — estão revolucionando o tratamento da obesidade ao reduzir o apetite e melhorar o controle glicêmico.

Uma nova molécula experimental, chamada retatrutida (retatrutide), vem chamando atenção por resultados ainda mais expressivos: perda de até 24% do peso corporal em apenas 48 semanas, segundo estudo clínico de fase II publicado no New England Journal of Medicine.

Quando se vê uma molécula com resultados tão expressivos nos ensaios iniciais, o entusiasmo é natural. Mas isso torna ainda mais essencial que o caminho regulatório e de segurança seja rigoroso e transparente. Estamos falando de uma substância ainda em fase experimental.

A retatrutida é o primeiro agonista triplo dos receptores GLP-1, GIP e glucagon. Enquanto o Ozempic (semaglutida) age apenas sobre o GLP-1, e o Mounjaro (tirzepatida) combina GLP-1 + GIP, a nova molécula adiciona um terceiro componente — o glucagon — responsável por aumentar o gasto energético e potencializar a queima de gordura.

Nos estudos publicados no New England Journal of Medicine, participantes que receberam retatrutida semanalmente perderam, em média, 17,5% do peso corporal, chegando a 24% nas doses mais altas. Em comparação, a semaglutida apresenta reduções médias de 15% e a tirzepatida, cerca de 20%.

A retatrutida atua por três mecanismos diferentes: reduz o apetite, melhora a resposta à insulina e aumenta o gasto calórico. É como apertar três botões metabólicos ao mesmo tempo.

Além da perda de peso, observou-se melhora nos níveis de glicemia, pressão arterial, perfil lipídico e marcadores hepáticos. Os pesquisadores, porém, ressaltam que os efeitos adversos — principalmente náuseas, vômitos e diarreia — foram semelhantes aos de outros análogos de GLP-1, embora em alguns casos mais intensos nas doses maiores.

Apesar de ainda estar em fase experimental, a retatrutida já é anunciada na internet como o “novo Mounjaro” ou “Mounjaro 3.0”. Sites estrangeiros e perfis de redes sociais vendem supostas canetas de “retatrutida original”, muitas vezes com entrega no Brasil.

Nenhuma dessas versões, porém, tem aprovação da ANVISA ou da FDA. A FDA já emitiu alertas genéricos contra a venda ilegal de medicamentos para emagrecimento e, seguindo o padrão adotado com outros agonistas de GLP-1, é esperado que alertas específicos sobre a retatrutida se intensifiquem em 2025.

O órgão destaca que produtos vendidos online “não têm garantia de segurança, qualidade ou dosagem correta”.

Já foram identificados anúncios ativos de “retatrutida” em redes sociais e lojas online; quando investigados, muitos casos revelam falsificações ou promessas exageradas, sem respaldo científico real. O problema é que a internet tornou fácil conseguir substâncias experimentais, e muita gente acredita estar comprando ciência — quando, na verdade, está comprando risco.

Em junho de 2024, a Receita Federal apreendeu dezenas de unidades de um produto chamado Synedica Retatrutide, trazido ilegalmente ao país. Reportagens confirmaram a circulação clandestina da substância, vendida por até R$ 3.000 a unidade.

Essas versões de mercado paralelo não têm controle algum: não se sabe o que tem dentro, se é estéril ou se contém o princípio ativo correto. É uma roleta russa química.

Mesmo sem aprovação, há relatos crescentes de uso da substância por atletas de alto rendimento e fisiculturistas no exterior. Em fóruns e podcasts especializados, alguns competidores mencionam o uso experimental da retatrutida como “a nova fronteira da recomposição corporal”. Esses relatos, no entanto, não têm respaldo científico — e, na maioria dos casos, envolvem substâncias adquiridas de forma ilegal.

É preocupante ver atletas e influenciadores tratando o uso da retatrutida como algo trivial. Essas pessoas têm grande alcance e acabam normalizando uma prática que ainda está em zona cinzenta da ciência e completamente fora da medicina baseada em evidências.

G

Por George Mantese

especialista em longevidade e bem-estar, mestre em Epidemiologia, doutorando pela USP

Artigo de opinião

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