A crise do preparo humano diante do medo da inteligência artificial e da busca pela fama digital
Como a ansiedade tecnológica e a ilusão do sucesso rápido estão levando jovens a abandonar o estudo formal e a subestimar o valor do esforço e da profundidade no desenvolvimento profissional
Nos Estados Unidos, estudantes de universidades como Harvard e MIT estão abandonando seus cursos com medo de que a inteligência artificial (IA) torne suas profissões obsoletas. A informação foi publicada pela Forbes em agosto deste ano, ao mostrar o impacto da chamada “ansiedade tecnológica” entre jovens de alta formação.
O cenário se repete, de outro modo, no Brasil: por aqui, cresce o número de jovens que trocam cursos técnicos e superiores por treinamentos voltados à “carreira de influenciador digital” — alguns deles cobrando até R$ 35 mil, sem credenciamento do MEC, segundo informação confirmada pelo Metrópoles.
Duas reações distintas, mas movidas pela mesma raiz: o medo de ficar para trás. Há quem paralise diante da IA e há quem busque um atalho fácil, acreditando que o esforço perdeu valor. Ambos os caminhos têm o mesmo problema: ignoram que o diferencial humano continua sendo insubstituível.
Uma pesquisa da Reuters/Ipsos aponta que 71% dos americanos acreditam que a IA poderá eliminar empregos permanentemente. No outro extremo, em 2025 o Brasil ultrapassou os EUA e a Índia, tornando-se o país com mais influenciadores ativos, com 3,8 milhões de criadores, representando 15% do total global, segundo a consultoria HypeAuditor. A promessa de autonomia e sucesso rápido atrai, mas a realidade é outra: apenas uma minoria consegue se sustentar financeiramente.
Esse fenômeno é um sintoma de uma crise mais profunda: a do preparo consistente. O desafio contemporâneo é manter o foco no que ainda diferencia pessoas de algoritmos. A IA já escreve textos, faz diagnósticos e analisa dados. Mas não compreende o contexto, não tem empatia, nem senso ético. O mercado está pedindo menos decoreba e mais pensamento crítico; menos execução automática e mais capacidade de resolver o que ninguém mandou.
O problema não é a tecnologia nem as redes, mas o modo como as pessoas se relacionam com elas. O digital é importante, claro, mas virou um palco sem propósito para muita gente. Entreter é legítimo e necessário — o problema é quando a busca por audiência se sobrepõe ao que se comunica. Influenciar de verdade é outra coisa: é gerar reflexão, mudar comportamento, oferecer algo que tenha valor. E isso exige preparo, coerência e propósito.
Entre o pânico da obsolescência e a ilusão do sucesso rápido, o caminho do meio é a reconstrução da base. A resposta não é temer a IA nem idolatrar a vitrine digital. É aprender com a tecnologia, usar o que ela tem de melhor e investir no que só o humano pode oferecer — capacidade de análise, comunicação com profundidade e repertório para resolver desafios. O mercado quer quem entrega — com consistência, proatividade e humildade para aprender o que for preciso.
Aos que paralisam diante da IA, o conselho é: usem a tecnologia como extensão da sua inteligência, não como ameaça. E aos que sonham com a fama digital, fica o recado: tenham algo verdadeiro a dizer — e capacidade de dizer isso bem. No fim das contas, a IA é só ferramenta, e o palco é só vitrine. O que constrói ou derruba uma carreira permanece inalterado: a combinação de quem você é, o que você entrega e o quanto está disposto a aprender.
Por Virgilio Marques dos Santos
sócio-fundador da FM2S Educação e Consultoria, gestor de carreiras, PhD, doutor, mestre e graduado em Engenharia Mecânica pela Unicamp, Master Black Belt pela Unicamp, autor do livro "Partiu Carreira", TEDx Speaker, ex-professor na Unicamp e outras instituições, ex-gerente de processos e melhoria em empresa de bebidas, idealizador do Desafio Unicamp de Inovação Tecnológica
Artigo de opinião



