Guarda Compartilhada: Responsabilidade Conjunta Além da Divisão de Tempo

Entenda por que a guarda compartilhada é sobre decisões em conjunto e não sobre alternância de dias, e os impactos emocionais para a criança

O termo “guarda compartilhada” se tornou um dos mais recorrentes nas varas de família, mas também um dos mais mal compreendidos. Ainda é comum que pais recém-separados interpretem o modelo como uma divisão igual de tempo entre as casas, uma semana com cada um. No entanto, do ponto de vista jurídico, guarda compartilhada não é sobre tempo, e sim sobre responsabilidade. Ela significa que ambos os pais devem participar, de forma conjunta, das decisões que envolvem a vida do filho, independentemente de onde a criança more.

Segundo a advogada Michele Gheno, com atuação em Direito de Família, essa confusão é uma das principais causas de conflito após o divórcio. “Muitos acreditam que guarda compartilhada é uma planilha de dias. Na verdade, ela é um modelo de corresponsabilidade parental, que garante a ambos o direito e o dever de decidir sobre educação, saúde, rotina, lazer e desenvolvimento da criança”, explica.

O modelo ganhou força no país após a Lei nº 13.058/2014, que tornou a guarda compartilhada a regra no Brasil. A legislação determina que, sempre que possível, o juiz deve aplicá-la, mesmo quando não há consenso entre os pais, desde que existam condições de convivência saudável. A ideia é evitar a figura de um “genitor visitante” e reforçar que o papel parental não se dissolve com o fim da relação conjugal.

Na prática, a guarda compartilhada pode ser mais complexa do que parece. A administradora Juliana Ilda Santos Nascimento, 36 anos, vive essa realidade. Ela relata que o diálogo com o pai de sua filha é quase inexistente, o que dificulta o cumprimento das decisões judiciais. “Temos conflitos sobre escola, saúde, moradia e até religião, já que seguimos crenças diferentes”, conta. A distância entre as residências, Juliana mora em São Paulo e o pai em Franco da Rocha, também tornou inviável a divisão equilibrada do tempo. “Ele queria ficar com ela 15 dias seguidos, mas isso não funcionaria. A juíza então determinou visitas quinzenais aos fins de semana”, explica. O caso mostra que, sem comunicação e cooperação entre os pais, a guarda compartilhada deixa de cumprir seu propósito principal: garantir estabilidade emocional à criança.

A Dra. Michele destaca que a moradia do menor nem sempre é dividida igualmente. “Na maioria dos casos, a criança reside com um dos pais e mantém convívio regular com o outro. Isso não descaracteriza a guarda compartilhada. O ponto central é o compartilhamento das decisões e não o número de dias em cada casa”, observa.

De acordo com dados do CNJ (Conselho Nacional de Justiça), a guarda compartilhada já representa mais de 40% das decisões judiciais sobre custódia no país, contra menos de 10% antes da mudança legislativa. O crescimento revela uma tendência à corresponsabilidade, mas também novos desafios: logística escolar, rotina de deslocamentos e alinhamento de regras entre as casas.

A advogada ressalta que o modelo exige maturidade e comunicação entre os pais. “A guarda compartilhada funciona quando há diálogo. Se existe hostilidade, sabotagem ou desrespeito à rotina da criança, o que era para ser equilíbrio vira fonte de instabilidade emocional”, explica. Por isso, o princípio do “melhor interesse da criança” continua sendo o norte de toda decisão judicial.

Os tipos de guarda previstos no Brasil
A legislação brasileira reconhece dois tipos principais de guarda:
– Guarda unilateral: atribuída a um dos genitores (ou responsável legal), ficando o outro com direito de visitas e dever de supervisionar a criação e educação do filho.
– Guarda compartilhada: atribuída a ambos, mesmo que a criança resida preferencialmente com um deles. Ambos têm autoridade parental e dever de cooperação em todas as decisões.

Além desses, existe a guarda alternada, que não está prevista expressamente na lei, mas aparece em alguns acordos, é aquela em que a criança passa períodos iguais (uma semana, 15 dias, um mês) em cada casa. Apesar de parecer justa, é o modelo mais controverso entre psicólogos e juristas, por causar confusão emocional e instabilidade na rotina do menor. “A alternância constante de lares e regras pode gerar ansiedade e insegurança na criança. A prioridade deve ser a estabilidade emocional, não a matemática do tempo”, reforça Michele.

O impacto da guarda compartilhada na vida da criança
Pesquisas da Associação Brasileira de Psicologia e Direito (ABPD) mostram que crianças em guarda compartilhada tendem a apresentar maior adaptação emocional, desde que o convívio entre os pais seja cooperativo. No entanto, o benefício desaparece quando há conflitos constantes. “A guarda compartilhada é uma oportunidade de exercer o amor de forma madura, mas se transformada em disputa, ela deixa de proteger e passa a adoecer”, afirma Michele Gheno.

Outro ponto importante é o equilíbrio financeiro. O modelo não exime nenhum dos pais da obrigação de pagar pensão alimentícia. “Muitos acreditam que, com a guarda compartilhada, a pensão deixa de existir, mas isso é mito. A obrigação permanece, calculada conforme a renda e as necessidades do filho”, esclarece.

Para Michele Gheno, compreender o real significado do modelo é essencial para transformar o divórcio em um processo menos doloroso e mais responsável. “Guarda compartilhada não é uma disputa por tempo, é uma aliança pela infância. O foco precisa sair dos pais e voltar para quem realmente importa: o filho”, conclui.

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Por Paulo Novais

Artigo de opinião

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