A urgência da conscientização e prevenção do feminicídio no Brasil
Como leis avançadas, educação de gênero e o papel das instituições podem transformar a realidade da violência contra a mulher
O Dia Nacional de Luta contra a Violência à Mulher, celebrado em 10 de outubro, é mais do que uma data simbólica: é um momento crucial para refletir sobre os avanços e os desafios na proteção das mulheres no Brasil. Apesar de termos leis robustas, como a Lei Maria da Penha e a Lei do Feminicídio, os números alarmantes de agressões e feminicídios mostram que ainda estamos longe de garantir segurança e dignidade às vítimas.
O Brasil possui marcos legais avançados, mas o problema é estrutural e vai muito além da legislação. A lei é apenas o ponto de partida, não o ponto final. A Lei Maria da Penha criou mecanismos importantes, como medidas protetivas de urgência e redes de atendimento com suporte psicológico, jurídico e social. Já a Lei do Feminicídio qualificou o homicídio contra a mulher por razões de gênero, aumentando as penas. Contudo, o principal desafio está na execução dessas leis. A falta de estrutura para cumprir as medidas protetivas e a subnotificação dos casos indicam que a resposta estatal ainda é insuficiente.
Os dados mais recentes são preocupantes: em 2024, o Brasil registrou 1.492 feminicídios, o maior número desde 2015, o que equivale a quatro mulheres mortas por dia. Em 80% dos casos, o agressor era companheiro ou ex-companheiro, e em 64,3% dos crimes, o local foi a própria casa da vítima. Embora tenham sido concedidas cerca de 555 mil medidas protetivas, mais de 100 mil foram descumpridas, incluindo casos em que as vítimas já estavam sob proteção judicial quando foram assassinadas. Além disso, foram registrados 87.545 estupros, o que representa uma agressão sexual a cada seis minutos.
Não basta apenas punir o agressor. É fundamental investir em prevenção, acolhimento e no fortalecimento das redes de apoio. A violência de gênero é uma questão de direitos humanos e deve ser prioridade nacional. Medidas como o uso de tornozeleiras eletrônicas, comunicação imediata entre órgãos de segurança e Judiciário, e acompanhamento psicossocial das vítimas são essenciais. A proteção jurídica precisa ser acompanhada de suporte material e institucional, pois sem acolhimento psicológico e financeiro, muitas mulheres acabam retornando ao convívio com o agressor.
A longo prazo, a educação de gênero é uma das ferramentas mais eficazes para prevenir a violência. É necessário incluir conteúdos sobre igualdade de gênero e direitos humanos nos currículos escolares desde cedo, além de promover campanhas contínuas que envolvam homens e adolescentes, incentivando masculinidades não violentas e respeito às mulheres. A transformação cultural começa pela educação, onde se desconstrói o machismo e se formam valores baseados na igualdade e no respeito. Sem essa mudança cultural profunda, as leis permanecerão como remédios de emergência, e não soluções permanentes.
Empresas e instituições também têm um papel estratégico na prevenção e no acolhimento das mulheres vítimas de violência. Além de implementar políticas internas e canais de denúncia seguros, é fundamental treinar gestores e equipes de recursos humanos para identificar sinais de abuso e oferecer encaminhamentos adequados. Programas de flexibilização da jornada, licenças especiais e transferências temporárias protegem a vítima e permitem que ela participe de procedimentos legais ou de acompanhamento psicológico sem riscos. Parcerias com ONGs, órgãos públicos e movimentos sociais ampliam o acesso a suporte jurídico, psicológico e social. Quando uma empresa adota políticas de acolhimento consistentes, não só protege a funcionária, mas fortalece seu papel social, tornando o ambiente corporativo seguro e disseminando uma cultura de respeito e igualdade de gênero entre funcionários e lideranças.
O enfrentamento à violência contra a mulher exige mais do que leis: requer compromisso institucional, articulação entre os poderes, participação ativa das empresas e uma mudança cultural profunda. Somente assim será possível garantir que a luta contra o feminicídio e todas as formas de violência de gênero avancem de forma efetiva no Brasil.
Por Tatiana Naumann
advogada, sócia do Albuquerque Melo Advogados nas áreas de Direito de Família e Sucessões e em casos de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; membro da Comissão de Direito de Família (CDF) da OAB/RJ; graduanda em Direito e Gênero pela Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro (Emerj)
Artigo de opinião


