Profissionais “Trauma-Informed”: a chave para transformar a saúde mental no Brasil
Compreender o impacto do trauma infantil é essencial para enfrentar a epidemia silenciosa de ansiedade e depressão no país
O Brasil enfrenta uma epidemia silenciosa: o crescimento alarmante de transtornos emocionais, ansiedade e depressão. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), o país lidera o ranking mundial de ansiedade e apresenta índices elevados de depressão, refletindo uma necessidade urgente de novas abordagens na saúde mental.
É nesse cenário que ganha força a formação de profissionais “trauma-informed”, aqueles preparados para compreender como experiências adversas na infância, como negligência, abuso, violência doméstica ou padrões familiares disfuncionais, moldam profundamente o cérebro, o corpo e o comportamento ao longo da vida.
A neurobiologia do trauma revela que ele não é apenas uma lembrança emocional, mas uma marca biológica que altera o funcionamento do sistema nervoso, do eixo hipotálamo-hipófise-adrenal e até da expressão gênica. Quando crianças crescem em ambientes de ameaça constante, seu cérebro se adapta para sobreviver, e não para se desenvolver. O corpo permanece em estado de alerta, liberando altos níveis de cortisol e adrenalina, o que aumenta o risco de doenças emocionais, autoimunes, cardiovasculares e metabólicas.
“Precisamos de uma geração de profissionais que saibam enxergar além do sintoma, que entendam o que o corpo e o comportamento estão tentando comunicar. Só assim poderemos realmente transformar a saúde mental no Brasil”, afirma Telma Abrahão, pioneira no país ao unir ciência e educação emocional.
Ser um profissional “trauma-informed” é olhar para o comportamento humano com profundidade e conhecimento da neurobiologia humana, compreendendo que a raiz de muitos problemas como ansiedade, depressão, isolamento e dificuldades de concentração, de relacionamento podem estar nas respostas adaptativas de um sistema nervoso funcionando em modo de sobrevivência.
Escolas, empresas e instituições de saúde já buscam esses especialistas, psicólogos, educadores, médicos, líderes, assistentes sociais e terapeutas, capazes de lidar com traumas de forma empática e científica. Com isso, não apenas a cura individual é favorecida, mas também a construção de uma sociedade emocionalmente mais regulada e consciente.
Quase meio milhão de licenças médicas foram concedidas no Brasil em 2024 por transtornos mentais, incluindo ansiedade, depressão e outros transtornos: foram 472.328 casos. A OMS estima que mais de 235 milhões de pessoas no mundo convivem atualmente com depressão. Mas esses números mostram apenas o sintoma, não a raiz.
A ansiedade e a depressão não nascem do nada. São respostas do corpo e da mente a feridas emocionais antigas, muitas vezes invisíveis. São marcas de uma infância em que faltou acolhimento, segurança e vínculo.
“Vivemos em um mundo que normaliza o estresse, romantiza o cansaço e disfarça o sofrimento com produtividade. Mas o corpo sente. A mente lembra. O sistema nervoso registra tudo. O que chamamos de crise de ansiedade é, muitas vezes, um corpo em modo de sobrevivência. O que chamamos de depressão pode ser o colapso de um sistema exausto de lutar. Não é fraqueza, é a história do indivíduo tentando ser ouvida”, reforça a neurocientista.
A prevenção verdadeira à ansiedade e à depressão começa na compreensão do trauma, na forma como criamos, educamos e olhamos para o comportamento humano. Afinal, ninguém adoece sozinho: o sofrimento é um reflexo coletivo de uma sociedade desconectada de si mesma.
Por Telma Abrahão
biomédica, neurocientista e especialista em desenvolvimento infantil
Artigo de opinião



