O Genocídio dos Kaingang e o Mito da Paulistanidade: Uma História Ocultada
Como a elite paulista construiu uma narrativa que escondeu o massacre indígena e reforçou a ideia de superioridade racial
É possível esconder um genocídio? Há como esquecê-lo, como naturalizá-lo ou apresentá-lo como uma “guerra justa”? O massacre dos Kaingang, impetrado pela elite paulista no começo do século XX, é um exemplo de como um genocídio pode ser propositadamente enterrado em alguma sala de arquivos e documentos empoeirados, objetivando-se construir uma imagem positiva de uma elite que se apresenta cosmopolita. Esse capítulo da construção da sociedade paulista ganhou visibilidade após a publicação de “Holocausto paulista: o genocídio dos Kaingang sob o mito da paulistanidade”, do professor e doutor em educação Leonardo Sacramento.
Por que será que obras que ovacionavam o genocídio até meados de 1950 deixaram de ser publicadas? Trata-se de uma falsificação histórica e política que “Holocausto Paulista” pretende contribuir em sua correção. No começo do século XX, algo em torno entre 30 a 40% do território paulista era habitado por povos indígenas, com protagonismo dos Kaingang.
“Os genocídios no Brasil são tratados, historicamente e politicamente, como algo alheio e distante. Geralmente, como método de expiação de culpa, são jogados para um passado remoto cujos responsáveis seriam os portugueses. Ocorre que os dados demonstram que o genocídio dos povos indígenas, com legislação, teoria racial e aparato militar para eliminação, foi algo construído e consolidado pela elite paulista. O genocídio dos Kaingang entre 1900 e 1915 no noroeste do estado se transformou em um paradigma institucional replicado pela Ditadura Civil-Militar e governos estaduais”.
A oligarquia cafeicultora, os governos paulistas e a elite intelectual consideravam uma mancha na história do estado que se apresentava na República Velha como território de descendentes de heróis e representantes de um povo racialmente superior aos restantes dos brasileiros, sobretudo os nordestinos.
Segundo a elite da época, os paulistas seriam racialmente superiores por serem descendentes da mulher tupi e do branco português, diferentemente dos nordestinos, que seriam descendentes dos africanos e de indígenas tapuias, considerados inferiores porque não foram catequizados.
Mas como poderiam defender a superioridade racial dos paulistas se os Kaingang, povo classificado pelos paulistas de tapuias, controlavam parte do território paulista? A resposta a essa contradição “evolutiva” foi o genocídio dos Kaingang, com uma legislação específica e uma teoria racial, avançando-se concomitantemente o capital cafeeiro e substituindo-os por imigrantes brancos e cristãos.
Por Leonardo Sacramento
pedagogo, mestre e doutor em educação pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar); professor de educação básica; pedagogo do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo (IFSP); autor de diversos livros acadêmicos e de análise crítica sobre temas sociais e políticos
Artigo de opinião