Ameaças à qualidade e à legalidade na expansão dos cursos de Medicina sem aval do MEC

A expansão irregular de cursos médicos por instituições municipais compromete a formação, gera concorrência desleal e desafia a legislação federal no ensino superior brasileiro.

O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Flávio Dino, decidiu suspender a criação e a implantação de novos cursos em instituições municipais de ensino superior que atuam fora de seus municípios de origem. A decisão liminar, recém-proferida nos autos da ADPF 1247, proposta pela Associação dos Mantenedores Independentes Educadores do Ensino Superior (AMIES), freia a expansão de cursos superiores, inclusive de Medicina, criados sem o aval do MEC, embora preserve, até o julgamento final, os cursos já implantados.

Algumas Instituições Municipais de Ensino Superior (IMES) têm expandido a oferta de cursos superiores além dos limites dos seus municípios-sede e têm atuado, na prática, como instituições privadas: cobram mensalidades e fazem análise de mercado para ampliação de cursos em outras localidades. Contudo, como não integram o Sistema Federal de Ensino, escapam das normas regulamentares do MEC, que estabelecem padrões mínimos de qualidade das instituições e dos cursos superiores. Além disso, ao usufruírem de regime tributário diferenciado e de autonomia local, passam a competir de forma desigual com as IES privadas, que se submetem integralmente ao rigor da regulação federal.

Essa situação traz graves prejuízos à formação dos estudantes e viola frontalmente a Constituição Federal e a jurisprudência do STF, que estabelecem regras claras para oferta de cursos superiores por entidades municipais, como a gratuidade do ensino. A atuação dessas Instituições também desrespeita normas centrais da ordem educacional: a Lei 9.394/1996 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional), a Lei 12.871/2013 (Lei do Mais Médicos).

A ADPF busca fixar a tese jurídica da inconstitucionalidade da ampliação da oferta de cursos superiores por instituições municipais e estaduais após a Constituição de 1988, com cobrança de mensalidades e fora dos limites territoriais dos entes aos quais se vinculam.

A situação dos cursos de Medicina das Instituições Municipais é alarmante. Na prática, muitos cursos de Medicina são criados por mera decisão administrativa da própria instituição, chancelada por Conselhos Estaduais de Educação, sem análise do MEC ou do Ministério da Saúde, sem observância do volume de leitos SUS disponíveis para os respectivos campos de prática e sem critérios objetivos para definição do número de vagas. A ordenação da formação médica do país é tema que extrapola a competência dos entes municipais e estaduais, está estabelecida em lei federal e, por sua importância, obriga todos os sistemas de ensino.

A ausência de parâmetros federais compromete a política pública nacional de formação médica. Enquanto as IES privadas assumem contrapartidas concretas com o SUS (como reformas de unidades de saúde, aquisição de equipamentos hospitalares e ampliação de serviços médicos, além de serem avaliadas periodicamente pelo MEC quanto à qualidade do ensino, infraestrutura e resultados acadêmicos, as municipais escapam a esse controle.

Esse cenário prejudica sobremaneira a formação dos estudantes e, em última instância, interfere na qualidade do atendimento de saúde oferecido à população. O objetivo da ação é justamente corrigir irregularidades estruturais que comprometem a qualidade da educação superior e a formação de profissionais.

Mais do que uma questão institucional, trata-se da proteção dos direitos dos estudantes, que devem receber ensino de qualidade, e da própria sociedade, que necessita de médicos e profissionais da saúde capacitados para o seu exercício profissional.

Por isso, qualquer solução que o STF defina para resolver esse problema deve considerar mecanismos de transição responsável, capazes de assegurar segurança jurídica e acadêmica, como a migração gradual das instituições municipais para o sistema federal ou a realocação de alunos supervisionada pelo MEC. O que se discute agora é o futuro da expansão dessas instituições e a necessidade de trazer os cursos existentes para dentro da legalidade e do sistema de regulação federal.

O cumprimento da legislação por todos os agentes do setor é fundamental para garantir o princípio da isonomia, que é a base da igualdade perante a lei. Para que esse princípio seja efetivo, é necessário que a legislação seja aplicada de maneira uniforme e imparcial a todos os agentes e instituições que atuam no setor, inclusive para fins de garantir o equilíbrio do mercado. O objetivo é reforçar a legalidade, a qualidade da formação médica e a isonomia regulatória no ensino superior brasileiro, em benefício de toda sociedade.

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Por Priscila Planelis

secretária-executiva da AMIES (Associação dos Mantenedores Independentes Educadores do Ensino Superior), entidade autora da ADPF 1247

Artigo de opinião

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