Desinformação sobre Paracetamol e Autismo: Um Alerta Necessário para Gestantes e Famílias

Narrativas equivocadas reforçam estigmas e culpabilizam injustamente as mães, enquanto a ciência aponta para causas multifatoriais do autismo

A relação entre o uso de paracetamol (Tilenol) na gestação e o risco de autismo em crianças voltou a ganhar notoriedade na imprensa. Recentemente, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, voltou a levantar essa hipótese em declarações públicas, reacendendo debates e preocupações entre gestantes e famílias. Especialistas, no entanto, alertam que não existe comprovação científica de causalidade entre o medicamento e o transtorno.

Os estudos existentes até o momento apresentam limitações importantes, são pesquisas com amostras restritas, que indicam apenas correlação, mas não causalidade. Ou seja, não é possível afirmar que o uso do medicamento provoque autismo, segundo a psicóloga Daniela Landim, coordenadora da Versania Cuidado Infantil, em São Paulo, e primeira brasileira certificada com o QBA, qualificação internacional que reconhece profissionais com experiência avançada no atendimento a pessoas com autismo, especialmente com base na Análise do Comportamento Aplicada (ABA).

O que os achados sugerem, na verdade, é que fatores associados ao motivo pelo qual a gestante utiliza o paracetamol, como infecções ou outras condições de saúde, somados a fatores genéticos, podem estar mais relacionados ao risco, e não o medicamento em si. Há estudos com gêmeos e irmãos que reforçam esse componente genético. Em gestações diferentes, com ou sem uso do remédio, os dois filhos apresentaram taxas similares de diagnóstico, apontando a influência genética como um componente determinante.

Para a especialista, o discurso de que o uso de medicamentos seria a causa do autismo retoma estigmas antigos e prejudiciais, como a ideia ultrapassada das “mães geladeiras”, acusadas no passado de não oferecer afeto aos filhos ou, mais recentemente, as falsas associações entre vacinas e autismo, já amplamente refutadas pela ciência. “Esse tipo de narrativa, além de incorreta, recai injustamente sobre as mães, alimentando culpas infundadas”, ressalta.

O que se sabe até hoje é que o autismo é um transtorno do neurodesenvolvimento de origem multifatorial, com forte influência genética e hereditária. “Ao contrário de outras condições, como a síndrome de Down, em que há a identificação clara de um cromossomo extra, ainda não há um gene específico responsável pelo transtorno do espectro autista.”

O diagnóstico é essencialmente clínico, baseado na observação de comportamentos e desenvolvimento, já que não existem exames laboratoriais que confirmem o autismo. “Embora ainda haja muitas lacunas a serem preenchidas pelas pesquisas, está comprovado que o transtorno não tem cura, mas pode ser identificado precocemente e acompanhado com terapias que favorecem o desenvolvimento e a qualidade de vida”, afirma Daniela.

Pesquisas recentes indicam uma relação genética importante. A probabilidade de diagnóstico aumenta quando há outros casos na família, sobretudo entre gêmeos e em filhos homens. “No entanto, é fundamental diferenciar fatores genéticos de fatores hereditários. Um indivíduo pode carregar genes associados ao autismo sem, necessariamente, apresentar o transtorno, mas ainda assim transmitir essa predisposição a futuras gerações”, enfatiza.

A divulgação de informações incorretas sobre as causas do autismo, como a associação a vacinas ou medicamentos, é preocupante. “Além de reforçar culpas infundadas às mães, esse tipo de discurso pode gerar riscos práticos, como a recusa de tratamentos seguros durante a gestação. O exemplo do paracetamol é emblemático: trata-se de um dos poucos medicamentos indicados nesse período, e seu uso responsável é considerado seguro.”

Estudos internacionais, como os do CDC (Centro de Controle e Prevenção de Doenças, dos Estados Unidos), mostram que a prevalência de autismo passou de 1 caso em 150, no início dos anos 2000, para 1 em 31 atualmente. No Brasil, dados do Censo de 2022, divulgados em 2025, apontam a existência de 2,4 milhões de pessoas com autismo, embora ainda não seja possível fazer comparações históricas nacionais.

D

Por Daniela Landim

Psicóloga, coordenadora da Versania Cuidado Infantil; primeira brasileira certificada QBA; BCBA; Mestre em Análise do Comportamento Aplicada (ABA) pela Columbia University; especialista em Terapia Comportamental e Cognitiva pela USP; graduada em Psicologia pela Universidade Anhembi Morumbi; professora de pós-graduação e supervisora na ABAEDU; autora de capítulos em livros sobre autismo

Artigo de opinião

👁️ 56 visualizações
🐦 Twitter 📘 Facebook 💼 LinkedIn
compartilhamentos

Comece a digitar e pressione o Enter para buscar

Comece a digitar e pressione o Enter para buscar