Combustível “100% ok”? O dado que a propaganda esquece — e o que o consumidor precisa saber
Enquanto a ANP fala em alta conformidade nacional, operações locais e levantamentos setoriais mostram bolsões de irregularidades — do diesel adulterado no transporte ao etanol fora da especificação.
Se você assistiu ao Jornal Nacional, talvez tenha ouvido: “o Brasil tem um índice de conformidade incrível nos combustíveis”. Parece música para os ouvidos de quem paga caro no litro. Mas a realidade, quando olhamos de perto, é bem menos afinada.
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O que dizem os números oficiais
O Programa de Monitoramento da Qualidade dos Combustíveis (PMQC) da ANP analisa amostras em todo o país. Segundo os relatórios mais recentes:
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A principal irregularidade da gasolina em 2024 foi o teor de etanol fora da especificação, representando 63,9% dos casos de não conformidade.
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O uso irregular de metanol também foi foco de autuações, com picos de adulteração em 2023.
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A ANP afirma que, em média, a conformidade nacional vem melhorando ano após ano.
O famoso “63%” que circula não significa que 63% do combustível no Brasil está adulterado. Significa que, entre os problemas detectados na gasolina, quase dois terços foram justamente de etanol fora da faixa permitida.
A realidade local fura a bolha
Quando saímos da média nacional e olhamos para casos concretos, a história muda:
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São Paulo: operação conjunta Procon + ANP + IPEM + polícia encontrou problemas em 21 dos 36 postos fiscalizados na capital.
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Transporte de cargas: em alguns estados, até 24% do diesel usado em caminhões apresentou irregularidades (Instituto Combustível Legal / Sincopetro).
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Paraíba (interior): estudo acadêmico em Brejo do Cruz encontrou variações significativas em gasolina e etanol — mostrando que em áreas rurais a fiscalização é mais frágil.
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Paraná: levantamento noticiado pela Novacana apontou quase metade das amostras com problemas.
Por que o “índice nacional” não conta tudo
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Amostragem limitada: o PMQC não cobre todos os postos todos os dias. Onde há menos fiscalização, adulterações podem durar mais tempo.
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Média esconde extremos: uma boa média Brasil pode conviver com bolsões críticos em rodovias e áreas de interior.
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Mudanças regulatórias: cada ajuste na mistura (como aumento do etanol anidro) cria janelas de risco até a adaptação completa.
Como o consumidor se protege
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Desconfie de preços muito abaixo da média regional.
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Guarde nota fiscal (CNPJ, data, bico usado). Tire foto do totem e da bomba.
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Sentiu falhas após abastecer? Pare de usar o carro, peça laudo mecânico e registre reclamação.
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Denuncie:
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ANP (canal de denúncias)
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Procon estadual
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Ministérios Públicos e Procons municipais
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Checklist rápido no posto
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✅ Bomba lacrada e com selos íntegros
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✅ Placa visível com CNPJ e distribuidora
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✅ Cupom ou nota impressa corretamente
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✅ Peça o teste de proveta em caso de dúvida (direito do consumidor)
O que precisa mudar
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Transparência pública e mapa online em tempo real dos resultados do PMQC.
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Integração de dados da ANP, Procons e IPEMs em uma base aberta.
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Punição de distribuidoras e atravessadores, não só do frentista.
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Campanhas permanentes de educação do consumidor.
Referências úteis
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Instituto Combustível Legal — levantamento de até 24% de diesel irregular em alguns estados.
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Editora Realize — estudos sobre combustíveis em Brejo do Cruz (PB) e Areia Branca (RN).
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UFRJ (Pantheon) — histórico do PMQC e importância dos dados de não conformidade.
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Procon-SP — operações recentes em postos da capital.
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Sincopetro — dados sobre diesel adulterado no transporte de carga.
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Novacana — casos regionais no Paraná.