Linha de Cuidado para Pessoas Autistas: Avanços Reconhecidos e Desafios Cruciais a Enfrentar

Apesar dos progressos na valorização da neurodiversidade e combate ao capacitismo, a efetividade da política depende de ações concretas e enfrentamento de interesses econômicos que ameaçam sua implementação.

O Ministério da Saúde apresentou a Linha de Cuidado para Pessoas com Transtorno do Espectro Autista (TEA), documento que estabelece diretrizes para o atendimento integral no Sistema Único de Saúde (SUS). A proposta busca articular saúde e cidadania, reconhecer a neurodiversidade e combater o capacitismo, alinhando-se a legislações nacionais e internacionais de direitos humanos.

A Autistas Brasil avalia que o documento representa um marco importante ao ampliar a visão sobre o autismo, indo além do enquadramento clínico. Contudo, alerta que a iniciativa corre o risco de se tornar apenas uma promessa se não for acompanhada de políticas públicas vinculantes e meios concretos de implementação.

“O documento é um marco. Reconhece a neurodiversidade, articula saúde e cidadania, afirma a intersetorialidade e aponta o capacitismo como barreira estrutural. Vai além do enquadramento clínico e insere o autismo no campo da dignidade e dos direitos humanos. Mas esse avanço vem acompanhado de cautela.

O Ministério demonstra tanto receio das clínicas de ABA quanto o ministro Haddad tem da Faria Lima. Muitas vezes são os mesmos atores. De um lado, buscam monopolizar práticas terapêuticas e de outro, submetem a saúde à lógica do mercado”, afirmou Guilherme de Almeida, presidente da Autistas Brasil.

Segundo Almeida, essa lógica de mercado tem se imposto sobre políticas públicas e gera impacto direto na vida das famílias. “Donos de clínicas e cursos que tentam ‘normalizar’ características neurodivergentes criam pânico nas famílias e colocam as mães, já sobrecarregadas, como linha de frente dos seus interesses econômicos.”

A entidade também destaca contradições internas: enquanto o texto proclama integralidade e autonomia, mantém-se preso a classificações biomédicas; reconhece a importância da escuta em primeira pessoa, mas não define mecanismos concretos para garanti-la de forma efetiva. Outro ponto crítico é o risco de repetição da Política Nacional de Educação Especial de 2008, marcada por boas intenções sem execução prática.

Para a Autistas Brasil, a inclusão escolar deve ser pedagógica, não clínica, e a efetividade da Linha de Cuidado dependerá da articulação entre saúde, educação, trabalho e moradia, com fiscalização de órgãos como o Ministério Público do Trabalho (MPT) e o Ministério Público Federal (MPF).

Outra lacuna grave é a invisibilidade da vida adulta e do envelhecimento. A associação defende a construção de um plano robusto, intersetorial e vinculante para adultos e idosos autistas com maior nível de suporte, que articule saúde, moradia, trabalho e vida comunitária.

“A Linha de Cuidado só terá força real se for acompanhada de políticas vinculantes. É preciso enfrentar diretamente os mesmos grupos que, sob diferentes máscaras, controlam a narrativa biomédica e a financeirização da saúde. Sem isso, continuará sendo uma promessa generosa, mas sem impacto concreto na vida das pessoas autistas”, concluiu Almeida.

G

Por Guilherme de Almeida

presidente da Autistas Brasil

Artigo de opinião

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