Spectrum: Um Novo Olhar Artístico que Escuta, Acolhe e Transforma a Inclusão Cultural

Projeto neurodiverso ressignifica o teatro ao criar espaços sensoriais e acolhedores para crianças neurodivergentes, promovendo arte como direito e pertencimento

Em um mundo em que a pressa dita o ritmo e a norma define o padrão, há um projeto que desacelera o tempo, abre espaço para o silêncio e para a escuta genuína — escuta do corpo, do olhar e até das pausas. Spectrum, criado por Paula Gotelip, Cristiane Muñoz, César Rossi e Cézar de Castro em novembro de 2024, é mais do que um espetáculo: é uma vivência cênica que nasce do respeito radical à singularidade de cada participante.

No Festival Acessa BH, o público poderá conhecer gratuitamente essa experiência sensorial que reposiciona o teatro como lugar de pertencimento e criação coletiva, especialmente voltado para crianças neurodivergentes — em especial, aquelas dentro do espectro autista.

A força do Spectrum está na metodologia Relaxed Performance, uma abordagem de apresentação teatral criada para acolher pessoas que, por questões sensoriais, cognitivas ou emocionais, não se adaptam aos moldes rígidos de um espetáculo tradicional. Nela, o ambiente e a condução da cena são ajustados para oferecer segurança e conforto: luzes menos intensas, sons controlados, liberdade para se movimentar, falar ou se ausentar durante a sessão. Não há imposição de silêncio absoluto ou imobilidade; o público é livre para reagir no seu tempo e da sua maneira.

No Spectrum, essa metodologia ganha forma por meio de plateias reduzidas, comunicação não verbal, ritmo desacelerado e espaço de regulação sensorial. Aqui, é o espetáculo que se adapta às pessoas — e não o contrário.

Guiadas pelos bonecos Verdam e Nhoque — mestres de cerimônia que acolhem com humor e delicadeza —, as crianças exploram luzes, sombras, sons e objetos do cotidiano, criando narrativas próprias ou coletivas. Cada gesto, olhar ou toque pode se transformar em cena, e cada apresentação é única, pois nasce da interação com quem está presente.

“Uma questão que pessoas neurodivergentes sempre me trazem, e que sinto como responsabilidade mencionar quando falo desse lugar, é a necessidade de visibilizar a neurodivergência. Muitas vezes, quando o debate está centrado apenas na deficiência, as neurodivergências acabam excluídas, e com isso não se discutem as adaptações e os ajustes que também são fundamentais para garantir nosso acesso”, explica Paula Gotelip, idealizadora do projeto.

O projeto rompe barreiras estruturais da produção cultural: 75% da equipe artística é formada por pessoas com deficiência, incluindo artistas autistas, neurodivergentes e com deficiência visual. Essa representatividade não é apenas simbólica, mas prática: toda a concepção foi pensada por quem vive, na própria pele, os desafios e potencialidades da neurodivergência e da acessibilidade.

O cuidado está em cada detalhe — até a transição final, com borboletas em neon conduzindo suavemente as crianças para o encerramento, foi desenhada para evitar qualquer ruptura brusca que pudesse gerar desconforto ou crise.

Desde a estreia, Spectrum tem gerado relatos emocionantes. Crianças dizendo “hoje foi o melhor dia da minha vida”, adultos autistas compartilhando que a vivência lhes ofereceu algo que faltou na infância, professores repensando práticas escolares.

A proposta também se expande para rodas de conversa com educadores, abordando saúde mental, artes e neurodivergência, fortalecendo pontes entre a criação artística e a educação inclusiva.

Para a autora, atriz, performer, professora e pesquisadora Patricia Ragazzon, o Spectrum é um dos espetáculos mais sensíveis e delicados que assistiu e participou. Ela relata a emoção de ver seus alunos com deficiência intelectual e neurodivergência, geralmente excluídos de atividades artísticas, vivenciarem um ambiente de acolhimento, ludicidade e possibilidade de criação conjunta, onde a imaginação é livre para voar.

O Spectrum defende que o acesso pleno à arte é um direito de todos. Ao criar um espaço em que o espectador é agente, em que cada tempo e forma de presença são respeitados, o projeto reafirma que inclusão não é um favor — é a base para uma sociedade mais justa e plural.

Para editores, produtores e repórteres, há aqui múltiplos ganchos: inovação cultural, representatividade na equipe, impacto social mensurável, metodologia inédita no Brasil e uma estética que nasce do encontro entre arte e cuidado. É pauta para cultura, educação, comportamento e direitos humanos.

A

Por Alexandre Aquino e Cláudia Tisato

Artigo de opinião

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