A maternidade que me ensinou a escrever e a me reconhecer
Como a escrita e a experiência materna transformaram minha vida e me mostraram o poder da palavra
Antes mesmo de aprender a ler, por volta dos cinco anos, peguei um livro na casa da minha avó e disse que faria um daqueles quando crescesse. Lembro da sensação — algo dentro de mim dizia que eu tinha nascido para escrever. Eu não sabia ainda o que era ser escritora, mas já sentia o chamado.
Na adolescência, escrevi meus primeiros livros, que imprimi e guardei. Aos 26 anos, decidi levar a sério o que até então era um hobby. Tinha acabado de terminar um romance e queria ver aquela história no mundo. Sem conhecer ninguém que tivesse publicado, comecei a procurar sozinha: anotei nomes de editoras nas capas dos livros que via em livrarias, visitei sites, mandei e-mails. A maioria não respondeu. Algumas recusaram originais, outras enviaram orçamentos. Foi assim que escolhi com quem faria minha primeira publicação.
Esse ritual se repetiu a cada novo livro: pesquisar, enviar, comparar, decidir. Com o tempo, percebi que mesmo publicando com diferentes editoras, não conseguia ver meus livros circulando como sonhava. Era eu quem divulgava, vendia, organizava lançamentos. Entendi que, se o trabalho era meu, talvez o controle devesse ser meu também. Descobri profissionais que prestam apenas os serviços editoriais — preparação, revisão, capa, ISBN — e optei pela publicação independente. Com ela, não reparto os valores das vendas com quem não está envolvido no alcance do livro. E, principalmente, preservo o cuidado com cada detalhe.
Hoje, com sete livros publicados, afirmo com convicção: aprendi que posso confiar em mim, que posso realizar meus sonhos com as minhas próprias mãos. A escrita me transformou. Ela me ajuda a vencer a timidez, me aproxima das pessoas, me oferece sentido. Receber mensagens de leitores dizendo que minhas palavras os tocaram é uma das maiores conquistas da minha vida.
Minha formação em Direito — embora distante da literatura — me deu ferramentas valiosas. Aprendi a ler contratos com atenção, a escrever com clareza, a organizar o pensamento. Essas habilidades me acompanham em cada etapa do processo editorial e na forma como conto minhas histórias.
O livro mais desafiador que publiquei foi Quatro Letras. Nele, escrevo sobre a morte do meu filho Igor, que faleceu ainda bebê. Foi preciso coragem para expor algo tão íntimo, mas a resposta dos leitores foi acolhedora e profunda. Descobri que é possível falar da dor com beleza, e que há espaço para esse tipo de escuta no coração das pessoas.
Neste ano, lanço meu novo livro, Enquanto Vocês Crescem – As cartas de amor de uma mãe, em que narro minha jornada materna por meio de cartas escritas aos meus três filhos ao longo de mais de dez anos. A obra fala de amor, descobertas, doçura e também de luto. Escrever essas cartas foi minha maneira de registrar o que há de mais delicado e essencial na maternidade: o gesto cotidiano, o olhar atento, o aprendizado mútuo entre mãe e filho.
Dedico o livro aos meus filhos, à memória de Igor. Escrevo porque acredito no poder da palavra — e porque sinto que cada uma delas me salva um pouco. Como diz um trecho do prefácio do psicanalista Thiago Queiroz: “não estamos apenas ensinando, mas aprendendo — e, muito frequentemente, mais aprendendo do que ensinando”.
Escrever, para mim, é reconhecer o valor da experiência. É eternizar a presença de quem amamos. É construir pontes com quem vive histórias parecidas ou sente dores semelhantes. É tornar a existência um pouco mais habitável.
Se eu pudesse dizer algo a quem sonha em publicar um livro, seria: confie no seu chamado. Comece com o que tem, com as palavras que vierem. O caminho se mostra enquanto andamos. E não há presente maior do que encontrar leitores que reconhecem em sua história um espelho.
Ser escritora no Brasil hoje é um ato de coragem. É resistência, é vocação, é generosidade. É desejar que os meus pensamentos não fiquem só comigo.
Por Flavia Camargo
Advogada formada pela UFRJ, mãe de três filhos, autora de sete livros, finalista do Prêmio Ecos de Literatura com o livro “Quatro Letras” (Editora Albatroz, 2024)
Artigo de opinião