Cancelamentos silenciosos em planos por adesão colocam pacientes em risco durante tratamentos graves

A fragilidade dos contratos coletivos expõe beneficiários a perdas inesperadas de cobertura, comprometendo vidas e gerando insegurança no sistema de saúde suplementar

Nos últimos meses, cresceram os relatos de pacientes que, mesmo com as mensalidades em dia, foram surpreendidos com o cancelamento de seus planos de saúde por adesão. Em muitos casos, o contrato coletivo foi encerrado unilateralmente pela operadora ou administradora, deixando beneficiários — inclusive em tratamento oncológico, psiquiátrico ou de doenças crônicas — sem cobertura, sem alternativa imediata e sem tempo de reação.

Maria Tavares, 58 anos, descobriu um câncer de mama em fase inicial no fim de 2024. Em janeiro de 2025, iniciou quimioterapia por meio do plano de saúde contratado via associação profissional. Em abril, recebeu uma notificação: seu plano havia sido encerrado. A justificativa: “rescisão do contrato coletivo”. Não houve oferta de migração, nem continuidade assistencial garantida.

“Me senti expulsa do sistema. Estava pagando tudo em dia, sem inadimplência. De repente, virei uma paciente sem plano, no meio da quimio. Foi desesperador”, relata.

Planos coletivos por adesão representam hoje quase 20% dos contratos no país, segundo dados da ANS. São geralmente contratados por meio de associações profissionais, sindicatos ou entidades de classe. Diferente dos planos individuais, eles não têm regras rígidas para reajuste, nem garantias de permanência estável.

Na prática, isso significa que a operadora pode, com respaldo contratual, encerrar o contrato coletivo e desligar todos os beneficiários, mesmo que estejam adimplentes.

“O paciente cumpre sua parte. Mas o vínculo depende de uma relação tripla: operadora, administradora e associação. Quando uma dessas partes rompe, o beneficiário não tem para onde correr”, explica Leandro Giroldo, especialista em saúde suplementar e CEO da Lemmo Corretora.

Em casos assim, mesmo pacientes em tratamento ativo precisam recorrer à Justiça para tentar garantir a continuidade do atendimento. A ANS prevê a chamada “portabilidade especial” em algumas situações — mas o processo é burocrático, e nem sempre compatível com a urgência da situação clínica.

Além disso, a falta de clareza contratual e a linguagem técnica dificultam a reação imediata dos beneficiários, que muitas vezes não entendem o que foi encerrado, quem é o responsável e como agir.

Associações de defesa do consumidor, como o Idec, já pressionam a ANS por mudanças regulatórias. Mas o tema ainda avança lentamente, enquanto a judicialização aumenta — e os pacientes seguem no limbo.

“A saúde suplementar precisa deixar de tratar pessoas como contratos. Especialmente nos planos coletivos, é preciso rever as regras de cancelamento e garantir a proteção contínua a quem já está em tratamento. O contrato pode acabar. Mas a vida do paciente, não”, reforça Giroldo.

No cenário atual, o que deveria ser uma solução acessível — o plano por adesão — virou uma armadilha para muitos. Os preços mais baixos atraem. Mas a instabilidade assusta. E a confiança, uma vez quebrada, é difícil de recuperar.

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Por Leandro Giroldo

Especialista em saúde suplementar e CEO da Lemmo Corretora

Artigo de opinião

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