Desafios e Caminhos para o Diagnóstico e Atendimento de Doenças Raras no Brasil
A escassez de especialistas e a lenta implementação de políticas públicas dificultam a vida de milhões de brasileiros com doenças raras
No Brasil, cerca de 13 milhões de pessoas vivem com uma das mais de 8 mil doenças raras conhecidas. Apesar do número expressivo, o acesso ao diagnóstico e ao tratamento ainda é marcado por uma série de obstáculos: falta de profissionais capacitados, serviços de referência mal distribuídos e pouco engajamento das esferas públicas e privadas no enfrentamento desses desafios.
Do total de patologias raras conhecidas, aproximadamente 80% têm origem genética, o que reforça o papel essencial do médico geneticista na jornada do paciente. No entanto, o Brasil conta atualmente com apenas 342 profissionais habilitados na área – um para cada 625 mil habitantes, número muito aquém do recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS), que sugere 1 geneticista para cada 100 mil pessoas.
A jornada de quem vive com uma doença rara costuma ser longa e cheia de incertezas. Muitos pacientes passam por múltiplos diagnósticos errados, tratamentos inadequados e até cirurgias desnecessárias, antes de chegar a uma resposta definitiva.
Instituída em 2014, a Política Nacional de Atenção Integral às Pessoas com Doenças Raras previa a criação de centros especializados e uma rede estruturada de atendimento. No entanto, mais de uma década depois, apenas 18 centros estão credenciados junto ao Ministério da Saúde, concentrados majoritariamente nas regiões Sul e Sudeste. A região Norte permanece sem nenhum serviço oficialmente habilitado. Essa lacuna no credenciamento não significa que não haja profissionais atuando em genética médica nesses estados, mas indica a dificuldade de estruturação e financiamento dos serviços para serem reconhecidos como centros de referência.
Nos últimos anos, houve crescimento no interesse pela genética médica: o número de candidatos por vaga em programas de residência aumentou em mais de 10 vezes entre 2012 e 2025. Contudo, o ritmo de expansão ainda não é suficiente para suprir a demanda nacional.
Além da ampliação das vagas, é urgente a revisão dos currículos de graduação na área da saúde, de forma que o tema das doenças raras e da genética seja tratado com a devida profundidade. É preciso também investir em estratégias como o teleatendimento, protocolos clínicos e modelos de matriciamento para apoiar os profissionais em regiões desassistidas.
O enfrentamento das doenças raras deve ser encarado como um esforço intersetorial. O poder público, a indústria, os profissionais de saúde e a academia precisam agir de forma coordenada para transformar a realidade desses pacientes. A falta de estrutura não pode ser mais uma barreira para quem já enfrenta uma condição de saúde complexa.
Por Rodrigo Ambrosio Fock
médico geneticista (CRM-SP 150.360), especialista em genética médica com atuação voltada ao diagnóstico e acompanhamento de pacientes com doenças raras, referência em iniciativas voltadas à educação médica e defesa de políticas públicas para o fortalecimento da genética clínica no Brasil
Artigo de opinião